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5872 | I Série - Número 108 | 03 de Setembro de 2004

 

Governo. Aceitem, pois, votá-lo. Aconselhem o Governo a libertar-se das asneiras do Dr. Portas. Apoiem a revogação de um despacho que todos sabemos algo insano e ferido de nulidade.

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Verão político português tem algumas particularidades a que já nos habituámos todos. Começa com um discurso do Dr. Alberto João Jardim no seu melhor estilo e, normalmente, acaba com alguma asneira do Dr. Paulo Portas. No ano passado, foi a homenagem a Maggiolo Gouveia, este ano, é o caso do navio Borndiep.
Significativo é que a maioria entenda que o caso que os portugueses e as portuguesas discutem não merece ser trazido ao Parlamento e que o Ministro, que entende que ele é tão relevante que exige e organiza um directo televisivo, como Ministro, embrulhado na bandeira do seu partido, a partir da sede do seu partido, considera, apesar disso, que essa importância não é tanta que justifique que o Parlamento venha discutir.
No entanto, os factos das últimas horas exigem um esclarecimento. Assim que o Ministro da Defesa, Dr. Paulo Portas, esclareceu que considerava que o assunto estava encerrado, o Primeiro-Ministro, que lhe tinha dado autorização para proibir a entrada do Borndiep em águas portuguesas, veio logo dizer não só que o assunto não está encerrado como está permanentemente aberto.
Ficamos a saber que no Governo, perante a sua actuação, há um Ministro que decide e foge da responsabilidade de explicar a sua decisão, um Ministro que entende que, assim que decide, o assunto se encerra e um Primeiro-Ministro que entende que, assim que autoriza a decisão, o assunto se abre na discussão política.
Acontece que esta decisão é pateticamente ilegal. As normas da União Europeia, que são violadas por um Governo que nem na ignorância se pode justificar, determinam que a proibição de entrada em território nacional só pode ocorrer, de acordo com o artigo 3.º da Directiva 64/221/CEE, de 25 de Fevereiro de 1964, por motivos de ordem pública ou de segurança pública fundamentados exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo em causa. O artigo 4.º estabelece que as únicas doenças que podem justificar a recusa de entrada no território são as que constam de uma lista anexa.
Ora, o que não consta é que o Ministro da Defesa seja um médico virtual ou que seja capaz de identificar a bordo, nem pessoas com comportamento identificável à luz da ordem pública nem pessoas portadoras de qualquer doença.
O Governo, aliás, sabe que está contra a lei, confia é que a lei não possa ser aplicada. Por isso, toma uma medida e não quer vir discuti-la no Parlamento, fugindo dessa responsabilidade.
No entanto, ontem, o Primeiro-Ministro introduziu um novo facto no debate político. Ao dizer que os resultados do referendo não são definitivos, porque obviamente não são, ao dizer que a lei não é imperativamente definitiva, como obviamente não é, suscitou a única questão política a que as bancadas da direita e da extrema-direita, neste Parlamento, se não quiserem ficar silenciosas, têm de responder. Ou seja, saber se o acordo político PSD/PP sobrevive ao debate político, à maioria da opinião dos portugueses e das portuguesas e ao esclarecimento do futuro desta lei.
Aliás, este acordo tem uma natureza que importa clarificar. É um acordo que não nos obriga, que não compromete o Parlamento e que não compromete a política portuguesa, não compromete, sequer, as Deputadas ou Deputados do PSD nem mesmo do PP. Esse acordo não foi estabelecido e apresentado aos eleitores antes da campanha eleitoral, é um mero acordo de conveniência, um "casamento" de circunstância, uma imposição política do PP ao PSD para fazer Governo maioritário.
Mas, mesmo que assim não fosse, um acordo entre dois partidos não determina as instituições da República, muito menos numa questão fundamental de direitos essenciais dos cidadãos e, neste caso, das mulheres portuguesas. São os direitos que subordinam a política e não é a política partidária que subordina os direitos e a Constituição da República Portuguesa.
Por isso, agora que começou a morrer o acordo entre o PSD e o PP, que já não é definitivo, que já não é assunto encerrado, que abre a possibilidade da modificação da lei, já no princípio da sessão parlamentar que estamos a iniciar, como declarou o Primeiro-Ministro em funções, o Dr. Santana Lopes, o que esperamos é que a maioria, ou, pelo menos. o PSD, tenha a dignidade de apresentar um projecto de lei ou que o Governo apresente uma proposta de lei a esta Assembleia que nos diga o que pretende que aconteça nos próximos dois anos. O que certamente não pode dizer - isso é que não pode dizer! - é que uma lei que talvez seja modificável daqui a dois anos, por estar errada e por conduzir à perseguição das mulheres e à sua humilhação, tem de durar mais dois anos porque convém a esses partidos e à sua lógica política fanática