0024 | I Série - Número 008 | 06 de Outubro de 2006
De resto, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) não pôde pronunciar-se, como seria desejável, antes deste debate sobre esta proposta de lei. Este facto assume especial relevância se tivermos em conta que o parecer que a CNPD emitiu sobre o texto do anteprojecto desta proposta de lei foi em sentido negativo, suscitando, do ponto de vista constitucional, fundadas dúvidas.
Considerou a CNPD que "parece ser evidente que o número de documento e de cartão previstos no artigo 17.° não impedem o aparecimento de um número único". Mais refere que "parece que o número de documento poderá desempenhar esse papel - o de número único atribuído a um cidadão titular desse cartão".
É, pois, no mínimo, prudente analisar a conformidade constitucional do disposto no artigo 17.° da proposta de lei em face do preceituado no n.º 5 do artigo 35.° da Constituição da República, que consagra a proibição de atribuição aos cidadãos de um número nacional único.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Segundo a proposta de lei, o cartão de cidadão é obrigatório para todos os cidadãos nacionais, residentes em Portugal ou no estrangeiro, a partir dos seis anos, mas o processo de atribuição generalizada do cartão será concretizado, como já foi dito, progressivamente: só será obrigatório nas áreas onde existam serviços de recepção instalados, o que será definido por portaria, e à medida que os cidadãos necessitarem de pedir a emissão ou a renovação do bilhete de identidade.
A este propósito, Sr. Ministro, gostava também de dizer-lhe que, pela nossa parte, estamos interessados em compreender bem o funcionamento da emissão do novo cartão de cidadão, nomeadamente a sua compatibilização com o actual sistema, que, como todos sabemos, consagra essa possibilidade nos distritos e também nos postos consulares no estrangeiro, competência essa que queremos saber se se manterá ou não de futuro.
Prevê-se ainda que a execução dos pedidos de emissão, actualização e substituição do cartão de cidadão envolverá sucessivas ligações, em separado, com cada uma das bases de dados que permitem a confirmação ou a geração dos números de identificação civil, fiscal, de utente dos serviços de saúde e de beneficiário da segurança social. Não é permitida a interconexão ou cruzamento de dados entre os serviços envolvidos, pelo que cada serviço tem apenas acesso à sua base de dados.
Há, depois, um conjunto de matérias específicas, como os modelos oficiais e exclusivos do cartão ou os requisitos técnicos e de segurança a observar na captação da imagem facial e das impressões digitais, cujo tratamento a proposta de lei remete para regulamentação por portaria.
Não podemos, nesta sede, deixar de alertar, na esteira do afirmado pela CNPD, para a insuficiência das informações disponíveis sobre as especificidades técnicas contidas ou subjacentes à proposta de lei e que naturalmente terão de ser apreciadas aquando da respectiva regulamentação.
Julgo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que estas questões não devem ser desprezadas e o seu aprofundamento não deve ser condicionado pelos calendários políticos da maioria.
Num balanço final, podemos dizer que acompanhamos a bondade desta proposta de lei, mas concentrar-nos-emos, no seguimento do processo legislativo, na garantia da observância das normas constitucionais em matéria de protecção de dados pessoais informatizados e na segurança das opções técnicas utilizadas, porque o cartão de cidadão deve constituir um benefício e não um prejuízo para o cidadão.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Uma última palavra para me referir ao projecto de lei n.º 98/X, do PS, que altera o Código do Registo Civil e que, à última hora, foi agendado, a reboque, para este debate.
Atendendo à evidente contingência de tempo para se proceder a uma análise detalhada desta iniciativa, parece-nos, no entanto, que se trata de um contributo para evitar entre nós fenómenos como a venda de crianças, já que o que se pretende, com este projecto de lei, é garantir a veracidade das declarações de nascimento, evitando que o registo de nascimento seja feito por pessoas que não os respectivos progenitores. Naturalmente que estamos disponíveis para trabalhar melhor esta iniciativa em sede de especialidade, uma vez que não o pudemos fazer até à realização deste debate.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 94/X, apresentada pelo Governo, visando a criação do cartão de cidadão e regendo a sua emissão e utilização, acautelados que estejam com toda a segurança o direito à privacidade dos cidadãos e a protecção dos dados pessoais, pode constituir um passo positivo na racionalização, confidencialidade e autenticidade do sistema de identificação.
Parece-nos, no entanto, pertinente levantar algumas questões que nos suscitam dúvidas e que desejaríamos aclarar.