0027 | I Série - Número 008 | 06 de Outubro de 2006
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros dos Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por agradecer ao Sr. Ministro o protótipo que teve a gentileza de nos oferecer.
A presente proposta de lei, que cria o cartão do cidadão e o regime da sua emissão e utilização, procura, de acordo com a exposição de motivos, reforçar os padrões de segurança da identificação civil.
Como já foi dito, o cartão do cidadão assumirá a forma de um documento físico que identifica visual e presencialmente o cidadão, mas também é um documento digital que o vai permitir identificar-se (e autenticar-se) electronicamente nos actos em que intervenha, podendo ainda requerer, caso o entenda, que o cartão incorpore uma assinatura electrónica qualificada que funcionará como assinatura e autenticação dos documentos electrónicos.
Reúnem-se assim, no mesmo suporte documental, os principais números de contacto do cidadão com a Administração Pública: de identificação civil, fiscal, de saúde e de segurança social.
Ora, sendo uma ideia positiva, tal pressupõe-se a existência de um circuito integrado com definições e requisitos de segurança que o Governo remete em alguns casos para regulamentação, o que já não nos parece tão positivo, tanto mais que se trata de matérias relativas à protecção de dados pessoais e a direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que, como é bom de ver, são matérias delicadas.
Assegura o Governo que estas ligações a cada uma das bases de dados são feitas em separado, mantendo a sua autonomia, sendo apenas os dados pessoais comunicados à base de dados da identificação civil.
Ainda bem, estamos de acordo, mas gostaríamos de conhecer este regime na sua totalidade para termos a garantia que é ao cidadão, e apenas a este, que cabe o controlo exclusivo sobre o acesso à informação armazenada no chip, com as excepções relativas à investigação criminal e apenas acessíveis às autoridades policiais.
Desejamos assim que a regulamentação respeite, na sua totalidade e de forma rigorosa, os princípios da confidencialidade dos dados pessoais, alicerces de qualquer Estado de direito democrático.
Também por isso, gostaríamos de destacar algumas questões que nos suscitam algumas dúvidas.
Em primeiro lugar, importa lembrar que uma das funcionalidades possíveis do cartão é a identificação, através de autenticação electrónica, da qualidade de autor de um documento electrónico. Ora, se esta proposta de lei determina a necessidade dos códigos para a utilização de certificados digitais com o cartão, certificados que permitem precisamente a autenticação electrónica e a da qualidade de autor, não resulta claro - pelo menos para nós - se esses códigos são utilizados apenas uma vez (para activar a função) ou se são necessários cada vez que se utiliza essa função de autenticação. Se for o primeiro caso, quem encontre um cartão do cidadão perdido poderá usá-lo fraudulentamente, antes que o mesmo seja cancelado, o que nos parece desaconselhável.
A segunda questão prende-se com o n.º 4 do artigo 13.º, que exige a autorização do titular ao efectivar o serviço mediante inserção prévia do PIN (Personal Identification Number) ao acesso a determinada informação contida no cartão. A solução parece-nos correcta: o cidadão insere o PIN e o interessado acede à informação. Mas não seria aconselhável acrescentar aqui uma obrigação acrescida para a Administração Pública de assegurar efectiva e previamente que é justamente o titular do cartão quem insere o PIN? Ou até uma proibição de introdução do PIN por parte do funcionário sem consentimento do cidadão?
Terceira questão: como pode o cidadão mudar o PIN? Imagine-se que toma conhecimento que esse mesmo PIN é conhecido de alguém. Será obrigado a substituir o cartão ou pode mudar o seu PIN? E, se sim, de que forma?
Gostaria de colocar uma última questão, aliás, já aqui referida, quanto à integração dos dados do cartão de eleitor no cartão do cidadão. Diz o Governo que, no âmbito da reforma das normas que regem a elaboração dos cadernos eleitorais, vai ser considerada a eliminação do cartão de eleitor, passando a ser apenas utilizado o cartão do cidadão. Decorrerá daqui a possibilidade de eliminação da obrigação de actualização do recenseamento eleitoral, nomeadamente por mudança de morada? Em princípio, sim, porque este dado consta do cartão de cidadão. Mas se as bases de dados não podem ser cruzadas e, por isso mesmo, as entidades do recenseamento não podem utilizar a base de dados da identificação civil, qual é a solução que o Governo prepara no âmbito desta matéria? Isso também não resulta claro desta proposta de lei.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo Sr.as e Srs. Deputados: Por tudo isto, parece-nos que teria sido oportuno e avisado que esta discussão fosse precedida de parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, o que não ocorreu por manifesta falta de tempo.
Se é certo que o CDS-PP considera positiva e relevante a medida que hoje o Governo nos apresenta, sobretudo no pressuposto que as bases de dados não possam ser cruzadas, temos algumas dúvidas sobre a bondade de algumas das soluções práticas apresentadas, que discutiremos com total abertura em sede de especialidade.