I SÉRIE — NÚMERO 22
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cultura. No mesmo Programa do Governo, o PS anunciava que se guiaria pela meta de atingir o objectivo de afectar à cultura 1% do Orçamento do Estado.
Vamos aos números. O Orçamento do Estado já tinha baixado em 2005, no orçamento socialista, e prossegue agora a baixa para 0,4%.
Se olharmos para os números, verificamos que, desde 1997, é a mais baixa taxa de todas, porque era sempre de 0,2% do PIB. Era até ao ano passado, porque este ano o orçamento para a cultura será de apenas 0,1% do PIB. Mesmo em valores absolutos, o orçamentado para a cultura este ano é um retrocesso ao valor de 1998.
Quase não valia a pena dizer mais nada, a não ser que, com quase dois anos de governação socialista, a cultura asfixia. Trata-se de uma evidente violação de promessas e, pior, do não cumprimento do Programa do Governo.
Mas vale a pena analisar um pouco mais o que se passa na cultura: o corte no orçamento da cultura é de 9,1%, se compararmos com a proposta do Orçamento do Estado para 2006. E vale, sobretudo, a pena analisar onde se verificam os cortes efectivos e que critérios seguiu a Sr.ª Ministra, se é que tem critérios, e porque razão optou por estes cortes e não por outros.
Olhando sector a sector, constata-se que corta mais no que é a essência da cultura e da memória nacional, naquilo que é a razão de ser óbvia para a existência de um Ministério da Cultura. A Sr.ª Ministra corta a eito e não faz minimamente o trabalho de casa, hierarquizando prioridades, porque, se o fizesse, não teria como principais vítimas os museus nacionais, o património (IPPAR), a Biblioteca Nacional e a Cinemateca e não teríamos, há dois dias, os jornais anunciando o fim da Festa da Música, no Centro Cultural de Belém.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
A Oradora: — António Mega Ferreira diz que a Ministra fez umas contas complicadíssimas e afirma mesmo que não sabe onde vai descobrir 900 000 euros — nós, no PSD, muito menos! —, desautorizando, assim, os argumentos da Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra, que se multiplica em declarações, explicando que não é uma questão financeira e que o orçamento do CCB até aumentou, não diz uma única palavra clarificadora sobre a razão para o fim da mais popular iniciativa de música erudita do País.
A Festa da Música ficará, assim, apenas na memória dos milhares de portugueses que a viviam. Só no ano passado, foram vendidos 51 000 bilhetes a gente que veio de todo o País ouvir os autores barrocos, como vieram em anos anteriores ouvir Bach, Mozart ou Hayden, de manhã à noite, num ambiente verdadeiramente criador de públicos.
Ficámos mais pobres. Acabou a Festa que não cheirava a naftalina e se enchia de público, esgotando todas as salas e todos os recantos do CCB.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
A Oradora: — O corte no orçamento do Centro Cultural de Belém, que a Sr.ª Ministra vem dizer que aumentou, foi de 7,5 % e a primeira vítima desse corte foi a Festa da Música. Agora só rumando a Nantes ou a Bilbau se poderá ir ter com a Festa, que continua, sem nós portugueses e sem os intérpretes portugueses que lá ganharam palco e nome. Resta-nos dizer, como disse Chico Buarque: «Foi bonita a festa.»
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão política que se coloca é a seguinte: num orçamento restritivo e num país a viver uma situação económica e financeira difícil, quais são as prioridades na cultura que se devem absolutamente salvaguardar e assegurar e que papel tem o Estado na cultura? Olhando para o Orçamento do Estado e para o que tem sido a política cultural da Sr.ª Ministra, diríamos que se tem a sensação de que paira o descalabro e não se salvaguarda aquilo que é realmente essencial. É, porém, uma evidência que não há desenvolvimento, choque tecnológico e progresso sem cultura.
No entanto, que faz o Governo? O Orçamento do Estado inviabiliza a programação do São Carlos, o corte é de 5%, e à velha Cinemateca reduz o orçamento em 23% — provavelmente, como o Governo não foi capaz de demitir o seu director, João Bénard da Costa, a ministra corta-lhe o orçamento até à inviabilidade. A Biblioteca Nacional leva um corte de mais de 10,4% e o Instituto do Livro e das Bibliotecas vegeta — ninguém sabe se já morreu de vez ou se ainda continua vivo.
Pense-se o que se pensar das obrigações políticas mínimas do Estado na cultura, há dois sectores inquestionáveis, por ser insubstituível o seu papel e por ser nossa obrigação geracional. Falo dos museus e do património nacional, da sua preservação. Por mais liberal ou mais socialista que seja a visão de quem governa, existe o óbvio consenso de que o património nacional tem de ser preservado e que se deve garantir a herança que recebemos das gerações anteriores e salvaguardar a nossa memória colectiva. Pois é neste