I SÉRIE — NÚMERO 26
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Perante este quadro, Sr.as e Srs. Deputados, que fazer? Portugal está dotado de um edifício legislativo para o combate a este tipo de criminalidade que se julga adequado, com diplomas legais de iniciativa nacional e através da incorporação no direito interno de directivas comunitárias, faltando apenas, a nível internacional, a ratificação da Convenção de Mérida, elaborada no âmbito da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Não é, pois, por aqui que as coisas não andarão como gostaríamos.
Onde muitas vezes quase tudo falha é na prevenção, aspecto de que sempre se cuida muito pouco no nosso país, bem como na adopção de «boas práticas», aspectos organizativos quase sempre descurados, por exigirem muita disciplina e sentido de eficácia na procura de resultados.
Na prevenção, é urgente proceder, com regularidade, a análises sobre os riscos da corrupção e adoptar um tratamento mais integrado sobre os seus aspectos éticos; introduzir regras apropriadas para todos os funcionários da Administração Pública, em matéria de transparência e de afastamento de conflitos de interesses; completar os códigos de conduta existentes, de forma a incluírem referências explícitas aos aspectos deontológicos e aos riscos das práticas de corrupção; fornecer uma protecção adequada aos chamados «declarantes de suspeitas»; ministrar formação permanente aos inspectores das contribuições e impostos, em matéria de detecção de infracções ligadas à corrupção; utilizar mais sistematicamente as investigações patrimoniais; reforçar o dispositivo antibranqueamento na luta contra a corrupção; rever as disposições legais existentes em matéria de detecção, apreensão e perda dos produtos da corrupção e do tráfico de influências.
No que às «boas práticas» diz respeito, é hoje consensual a importância decisiva de um sistema integrado de informação criminal, que funcione na respectiva recolha, tratamento e difusão. É hoje sabido que, na área do combate à corrupção, é fundamental uma articulação feita de intimidade e respeito entre quem dirige o inquérito e quem investiga. Hoje, pode concluir-se que os chamados e conhecidos «megaprocessos» são o produto de uma visão burocrática do funcionamento da justiça, sendo, por isso, necessária boa assessoria técnica e formação adequada, da qual resultem investigações geríveis, eficazes e com resultados. É, hoje, facto notório que quem dirige os inquéritos e quem investiga deve acompanhar o respectivo processo até à decisão final, a fim de, no futuro, adequar os seus procedimentos à «cadeia de prova» definida e aceite pelos tribunais.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Só com a instituição destas práticas se pode criar uma cultura de eficácia, aprendendo com os erros e procurando sempre a melhoria dos resultados.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, aqui ficam críticas e sugestões: as primeiras por nos parecerem justas, pois caso contrário não as faríamos; as segundas por as julgarmos indispensáveis e exequíveis, embora a razão principal se prenda com o facto de, na área da justiça, a política do Governo se poder resumir à medida relativa às férias judiciais,…
Risos da Deputada do PS Manuela Melo.
O Orador: — … «insultuosamente» gerida contra os magistrados e, na área da investigação criminal e, mais concretamente, no combate à corrupção, no pagamento das dívidas que fez a Polícia Judiciária acumular.
É em nome de uma outra disponibilidade política dos órgãos de soberania, em que a Assembleia da República, naturalmente, se inclui, para enfrentar com determinação o cancro da corrupção, que agendámos este debate. Espero que ele possa constituir um ponto de viragem na apatia, no desinteresse, na capitulação inaceitável de que esta maioria e este Governo têm dado mostras.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — É tempo de exibir outro empenho. É isso que os portugueses esperam de nós. É isso que a defesa do nosso Estado de direito e a qualidade da nossa democracia nos exige.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luísa Salgueiro e Abel Baptista.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro.
A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, ouvi atentamente a sua intervenção e gostava de lhe suscitar uma questão que é uma curiosidade que se me colocou à partida e que se prende, desde logo, com o momento e com a oportunidade deste agendamento. É que se, por um lado, coincidiu, naturalmente, com um momento em que a opinião pública está a prestar uma especial atenção às