15 DE DEZEMBRO DE 2006
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designação dos seus administradores, sem que isso afecte a sua reconhecida independência. Em segundo lugar, porque é possível encontrar larga controvérsia em torno de outros modelos de governação. Bastará analisar o modelo parlamentarizado italiano, que gerou durante muitos anos a lottizzazzione, isto é, a distribuição tácita de cada um dos canais da televisão pública pelos principais partidos parlamentares, da democracia cristã aos socialistas e aos comunistas, ou as críticas aos critérios alegadamente partidários de selecção das entidades componentes dos conselhos representativos da sociedade civil que elegem o directorgeral nas rádios e televisões públicas alemãs.
Não está assim necessariamente em causa o modelo de designação dos gestores. Os modelos parlamentarizado, de representatividade social ou misto também apresentam as suas desvantagens, caso não existam simultaneamente outros mecanismos de salvaguarda da independência dos operadores.
De uma forma esquemática, as medidas efectivas de salvaguarda da independência da RTP foram, até agora, as seguintes: institucionalização, a partir de 1992, de um Conselho de Opinião socialmente representativo, com poderes relativos à apreciação das linhas gerais de orientação da empresa e à emissão de pareceres não vinculativos (com excepção do período entre 1998 e 2002) sobre a designação e destituição dos gestores ou dos directores da RTP; atribuição, igualmente a partir de 1992, da responsabilidade exclusiva pela selecção e conteúdo da programação e da informação aos directores das respectivas áreas, vedando qualquer intromissão dos administradores; imposição, a partir de 1998, do carácter vinculativo dos pareceres sobre designação e destituição dos gestores ou directores, inicialmente do Conselho de Opinião sobre os gestores, depois de 2002, da entidade reguladora face aos directores de programas e de informação, sempre que estivesse fundamentado na violação dos princípios da independência ou do pluralismo do serviço público; estabelecimento, a partir de 2002, do princípio da inamovibilidade dos gestores cujos mandatos, desde então de quatro anos e não de três como anteriormente, apenas podem ser interrompidos em casos excepcionais tipificados na lei.
A proposta que temos hoje em debate mantém as medidas introduzidas nos últimos anos, acrescentandolhe, além de outros aperfeiçoamentos já aqui enumerados pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, o acompanhamento parlamentar, acentuando a transparência e a legitimidade da empresa que passará a estar sujeita a uma nova forma de controlo, além das actualmente exercidas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, inclusivamente através da escolha da entidade responsável por uma auditoria anual, pelo Tribunal de Contas e pelos provedores dos ouvintes e dos telespectadores.
No entanto, tão importante como a consagração de um modelo de governação que assegure a independência da empresa e ao mesmo tempo permita uma gestão criteriosa que garanta a sua recuperação económico-financeira — recordo aqui que a RTP entrou em falência técnica, em 1994, durante a governação do PSD —, é o estabelecimento de consensos sobre o serviço público de rádio e de televisão.
Existem hoje condições, inexistentes durante muitos anos, para que se estabeleça esse alargado consenso.
Entre as principais forças políticas, e na própria sociedade portuguesa, parece unânime o reconhecimento da importância dos serviços públicos de rádio e de televisão e do seu papel na sociedade portuguesa. Mas não apenas sobre isso: existe um consenso sobre o financiamento, os seus montantes, a sua previsão plurianual e a forma de os assegurar e, certamente, sobre o modelo de governação, nomeadamente se o PSD souber reconhecer que a consagração de um serviço público influente, isento e consensual vale bem mais do que episódios menores de pura guerrilha política que constituem afinal uma desajeitada pressão sobre a RTP.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Tenho esperança de que este conjunto de princípios, erguidos e cimentados na última década, poderá resistir às vicissitudes da luta partidária e ao inexorável rotativismo político.
Portugal tem, definitivamente, de deixar o grupo dos países da Europa do Sul, onde cada nova maioria politica, uma vez instalada, aprova o seu modelo de governação, designa imediatamente os seus gestores e, através deles, os seus directores, tentando fazer da concessionária de serviço público apenas a televisão e a rádio ao seu serviço.
Aplausos do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.
O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Peço licença para dispensar delongas na apreciação da proposta de lei n.º 106/X, sobre a reestruturação do concessionário de serviço público da rádio e de televisão.
Efectivamente, trata-se da mais clara tentativa de governamentalização da rádio e da televisão públicas desde que estas entidades passaram a gozar de estatuto próprio.