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29 | I Série - Número: 067 | 31 de Março de 2007

O Orador: — Se assim for, estou seguro de que o povo português jamais consentirá que a mentira ou a ignorância lhe roube das mãos a liberdade. A memória viva da resistência não é senão isso mesmo: a capacidade de segurarmos a liberdade nas mãos.

Aplausos do BE e do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poucos períodos da nossa História serão tão negros e sinistros como os 48 anos de fascismo que a ditadura de Salazar e Caetano impôs ao povo português. Durante quase meio século, o País definhou do ponto de vista social, educacional e cultural, atrasou-se de quase todos os pontos de vista, isolou-se na cena internacional, e arrastou muitos homens e jovens na «flor da idade» para uma guerra inútil e injusta no ultramar, até onde chegava a tirania, oprimindo outros povos que também aspiravam à liberdade, à autodeterminação e ao direito de conduzir os seus destinos.
Com efeito, poucos factos da nossa História se aproximam da sangrenta história do nacional-fascismo lusitano e do obscurantismo, da vergonha dos criminosos métodos de perseguição e de tortura praticados durante aquele período.
A comparação com a Inquisição, pela irracionalidade, desumanidade e loucura atroz da perseguição, motivada, também nesse caso, por fins políticos e de poder económico, justificada em bases ideológicas que só admitem um pensamento, uma forma de estar, é, por isso, absolutamente justa e magistralmente conseguida na peça O Judeu de Bernardo Santareno, em que se retrata a perseguição feita pelo Santo Ofício a António José da Silva, ele próprio dramaturgo como o autor escalabitano, este perseguido pela PIDE já no séc. XX.
Muitos eram os pilares em que se apoiava o Estado Novo: as altas chefias militares, interessadas na continuidade da guerra colonial, uma certa Igreja Católica do Cardeal Cerejeira, a máquina de propaganda da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) e de António Ferro, a Mocidade Portuguesa e algumas poucas — poucas — famílias que detinham a indústria, a banca e a alta finança e prosperavam, mas também a própria ignorância, a miséria e o medo.
Aquele em que melhor se via, se vê, o rosto desse regime torcionário, criminoso e fascista era no seu braço direito da opressão, a polícia política. Primeiro com a designação de Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, ou PVDE, também conhecida popularmente por «pevide»; depois como Polícia Internacional de Defesa do Estado, a PIDE de má memória, e, mais tarde, como Direcção-Geral de Segurança, a DGS, foi na verdade, apesar das mudanças semânticas, sempre a mesma estrutura, com os mesmos métodos, prosseguindo os mesmos objectivos e uma só essência: uma força de segurança e defesa do regime contra todos aqueles que se opunham ou que se suspeitava sequer poderem vir a opor-se.
Francisco Miguel, militante comunista e um dos que durante mais tempo sofreu às mãos dos algozes nos cárceres do fascismo, esteve mais de 21 anos preso e sujeito a brutais espancamentos e às tristemente célebres torturas da «estátua» ou do «sono», conheceu a «frigideira» do Tarrafal, e escreveu, dirigindose ao tribunal plenário: «Embora do ponto de vista pessoal a prisão me arruíne a saúde cada vez mais, do ponto de vista político o Governo nada adiantará com a continuação do meu encerramento. A minha prisão ainda por mais tempo será por si mesma um factor de esclarecimento do povo que verá na minha situação os métodos violentos do Governo, que são ao mesmo tempo a prova da sua fraqueza.» A PIDE, mais conhecida por «ignóbil polícia», durante toda a ditadura, perseguiu, prendeu, interrogou, sujeitou a torturas, espancamentos e maus tratos físicos e psicológicos, cruéis e degradantes, assassinou, condenou à clandestinidade ao longo de décadas muitos e muitos democratas, comunistas, republicanos, anarquistas, antifascistas e, de uma forma geral, todos aqueles que considerava uma ameaça à estabilidade e imobilidade podre do regime, apenas por cometerem o pecado capital de ter uma ideia e um pensamento livres, não condizentes com a cartilha única de «Deus, Pátria e Família», e ousarem levantar-se para os defender.
Poetas, músicos, escritores, artistas, académicos, professores e investigadores foram proibidos de escrever, publicar, editar, ensinar e trabalhar e obrigados a emigrar ou a limitar-se a sobreviver num País onde tudo lhe era negado, num País que lhe fora roubado, num País que, felizmente, «já era uma vez».
Mas esta é a história que é preciso contar e recontar vezes sem conta, para que jamais caia no esquecimento e para que se preserve a memória de outros tempos e seja o garante que salvaguarde o futuro de perigosos e indesejáveis retrocessos ou regressos a um passado de horror e de terror.
A petição n.º 151/X (1.ª), que hoje discutimos, surgiu da indignação pela possibilidade de transformação do edifício onde estava instalada a antiga sede da PIDE/DGS, ainda em 1974, em condomínio fechado e contra o apagamento da memória do fascismo e do sofrimento causado aos portugueses, e por cujo relatório aproveitamos para saudar o Sr. Deputado Marques Júnior, saudando, ao mesmo tempo, os representantes do Movimento «Não Apaguem a Memória».
Trata-se da uma petição que manifesta francas e justas preocupações pelas muitas tentativas a que todos assistimos de quando em vez, nos jornais e televisão, de branqueamento da memória ou de descul-