28 | I Série - Número: 067 | 31 de Março de 2007
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desejo, em primeiro lugar, saudar a delegação do Movimento Cívico «Não apaguem a memória», aqui presente, saudando em particular o Sr. Edmundo Pedro, ex-Tarrafalista, onde esteve preso 10 anos, e que é hoje, se não me engano, decano dos presos políticos portugueses sobreviventes.
Aplausos do BE, do PS, do PCP e de Os Verdes.
Desejo também cumprimentar o Sr. Deputado Marques Júnior pelo excelente relatório que fez desta petição. Mas, muito para além do seu trabalho como relator, cumprimento-o também pelo entendimento que promoveu e que permitiu elaborar um documento consensual.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, tenho para mim que a memória é a argamassa da identidade nacional. Um povo sem memória, anestesiado nesse presente contínuo de que nos fala o historiador Hobsbawm, é um povo indefeso, pronto a ajoelhar perante a ignomínia.
Na realidade, como se pode lutar pela liberdade de associação sindical, pelo direito à greve, pelas oito horas de trabalho, todas elas realidades que estão hoje sob ameaça real, se se perder a memória do rio de sangue e de sacrifícios que cada uma dessas conquistas custou a impor e a defender? Como se pode defender a liberdade, a democracia e o progresso social quando a nossa televisão pública nos diz, pretextando falar de história, que Salazar foi o maior português de sempre?
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!
O Orador: — É por isso que em torno das representações da memória há disputa, há contradição, há pluralidade de opiniões, há, em suma, um processo social de debate, de construção e de desconstrução da memória. É bom que assim seja. O que é inadmissível é que se tente impor pelo subterfúgio, pelo apelo ou pseudo-apelo aos consensos sem princípios, pelo pseudo-entretenimento pseudo-inocente uma espécie de monismo interpretativo implícito, assente em lugares comuns populistas e antidemocráticos, como mais uma vez fez, para vergonha nossa, a televisão pública.
Vozes do BE: — Muito bem!
O Orador: — Nesse sentido, o regime democrático, a democracia enquanto regime não pode ser neutra em relação à memória do seu passado recente. Porque ela nasceu da negação e da destruição dessa infâmia política e moral que foi a ditadura, tem, por isso, o preciso dever de recusar activamente o fascismo e de praticar a democracia.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!
O Orador: — Isso não quer dizer que o Estado democrático se deva alcandorar a fazer história. Não há nem pode haver histórias oficiais ou oficiosas. O que se pede é que ele crie todas as condições para que as pessoas, os movimentos e as escolas de pensamento o possam fazer livremente. O que se pede é que crie espaços, organize e disponibilize arquivos, apoie iniciativas, promova estudos que tenham como sujeitos a sociedade civil na sua pluralidade e riqueza. O que se pede é que ele assinale a memória e ajude os que a querem promover a levar a cabo essa tarefa.
O Estado democrático deve fazer tudo o que está ao seu alcance para ajudar à preservação da memória, sobretudo quando se trata da memória da resistência. Quero dizer com isto que deve fazer democracia também quanto ao processo social de produção da memória e abster-se de contribuir para a banalizar, perverter, tutelar ou inviabilizar.
Nesse sentido, saudamos e secundamos a justa e oportuna iniciativa de petição do Movimento Cívico «Não apaguem a memória», bem como os seus objectivos. Entendemos até, sem discordar de qualquer resolução que dela possa resultar e reunir amplos consensos parlamentares, que haveria tal petição de poder dar lugar a algo mais do que isso: a uma lei-quadro da memória que, dentro da perspectiva que apontamos, estabelecesse um quadro preciso e não meramente retórico dos deveres do Estado em matéria da preservação da memória histórica da resistência à ditadura.
Sr. Presidente, Sr.as e Sr. Deputados: A memória não é propriedade nem feudo de ninguém. A memória é terreno de liberdade, de disputa, de construção, de iniciativa cidadã.
Cabe ao Estado abrir campo a que as escolas de interpretação se manifestem e as várias cores das memórias identitárias floresçam.
A Sr.ª Zita Seabra (PSD): — Muito bem!