19 | I Série - Número: 075 | 26 de Abril de 2007
O Sr. Presidente da República (Aníbal Cavaco Silva): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Ao longo dos anos, esta Câmara tem-se reunido em sessão solene para assinalar a passagem do dia 25 de Abril. Esta cerimónia tem vindo a repetir-se durante as últimas décadas, ano pós ano, sem grandes alterações de fundo.
Creio que é chegado o tempo de nos confrontarmos com algumas interrogações. De tão repetida nos mesmos moldes, o que resta verdadeiramente da comemoração do 25 de Abril? Continuará a fazer sentido manter esta forma de festejarmos o Dia da Liberdade, ou será tempo de inovar? Estas dúvidas trazem consigo uma outra pergunta: não estarão as cerimónias comemorativas do 25 de Abril a converter-se num ritual que já pouco diz aos nossos concidadãos? Preocupo-me sobretudo com o sentido que este Dia da Liberdade possui para os mais jovens, para aqueles que nasceram depois de 1974. É deles o futuro de Portugal. O que dirá este cerimonial às gerações mais novas? É uma pergunta que não posso deixar de colocar à reflexão dos Srs. Deputados à Assembleia da República.
O 25 de Abril não é a festa de uma geração, mas um momento que deve interpelar todos os portugueses. Nós, os que estamos hoje aqui reunidos, não somos os donos da Revolução, nem os proprietários da democracia.
O que esta data e o que o regime democrático têm de singular é precisamente o facto de não ser exclusivo de ninguém, mas património comum de Portugal inteiro. Ninguém é dono do 25 de Abril. A história pertence a todos, mesmo aos que a não viveram.
Interrogo-me, Srs. Deputados, se não devemos actualizar a evocação do 25 de Abril de 1974, pensando sobretudo naqueles que não sentiram a emoção desse dia.
Para os mais jovens, a liberdade tem um significado distinto daquele que possui para muitos dos presentes nesta cerimónia. Pode mesmo afirmar-se que, na sociedade portuguesa, coexistem duas maneiras de sentir a liberdade. De um lado, a liberdade daqueles que tiveram de a conquistar e de batalhar por ela; do outro lado, a liberdade daqueles que a têm como uma realidade natural da vida, tão inquestionada e adquirida como o ar que respiram.
Não nos podemos esquecer de que houve um tempo em que Portugal não respirava esse ar de liberdade. Houve um tempo em que foi necessário o inconformismo de jovens militares para que nascesse enfim «o dia inteiro e limpo» de que nos fala o poema de Sophia.
A liberdade também é memória, e também como memória merece ser celebrada.
Nos dias de hoje, a melhor homenagem que podemos fazer ao 25 de Abril é comemorar nele uma visão inspiradora de liberdade activa. Não podemos continuar apegados somente a uma ideia da liberdade como memória, perdendo de vista a ideia, essa sim mobilizadora e dinâmica, da liberdade como projecto. Um projecto sempre inacabado e plural, aberto às mais diversas leituras, insatisfeito consigo mesmo. Neste dia, devemos celebrar a liberdade que se constrói a partir do inconformismo e na ambição de um futuro melhor.
A liberdade é mais do que um fim em si mesmo, é também um meio para dela fazermos o que quisermos, no respeito pela liberdade dos outros. Justamente porque somos livres, podemos utilizar a nossa liberdade para nos realizarmos enquanto pessoas, numa sociedade aberta e democrática.
Ser livre é uma condição, não é um resultado. É um pressuposto, não uma finalidade. Não se é livre sem mais. É-se livre para pensar e agir, para fazer alguma coisa. Livre para fazer o que a liberdade nos permite nas nossas vidas pessoais, na profissão que escolhemos, nos projectos que ambicionamos levar a cabo, no País que sonhamos e queremos construir. É da liberdade activa que nasce o pluralismo democrático, que esta Assembleia espelha.
Saúdo com apreço os Srs. Deputados, legítimos representantes da pluralidade da nação portuguesa.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: O 25 de Abril de 1974 representou, antes de mais, um gesto de inconformismo e de não resignação. A pior maneira de o celebrar será aceitarmos, acomodados, que a erosão do tempo transforme o 25 de Abril numa simples efeméride, num dia feriado, que, ano após ano, os portugueses gozam com a indiferença dos velhos hábitos.
Julgo que existe uma melhor maneira de evocar este dia. Há que assinalá-lo exactamente com o mesmo espírito inconformista que, em 1974, tornou possível a liberdade. Devemos celebrar o 25 de Abril cientes de que os portugueses não se resignaram a viver num regime sem liberdade e de que, no decurso do processo revolucionário, se mantiveram firmes e intransigentes do lado da democracia, contra todas e quaisquer formas de opressão. Ninguém nos deu a liberdade. Somos livres porque o quisemos ser.
Aplausos do PSD e de Deputados do PS.
O inconformismo é timbre da juventude. Quero, por isso, neste Dia da Liberdade, dirigir-me directamente às novas gerações e fazer-lhes um apelo, em palavras simples: não se resignem!