39 | I Série - Número: 083 | 17 de Maio de 2007
Hoje, não faz sentido «acorrentar» uma pessoa a outra quando uma delas deixou de sentir vontade de permanecer. No entanto, há que reconhecer que enfrentar o divórcio é sempre uma situação difícil, mesmo quando há mútuo acordo e as relações entre o casal são as melhores possíveis.
É importante que, no meio de todo este processo, se salvaguardem e se protejam os filhos do casal, essencialmente quando estes são menores.
Trata-se de um processo que implica uma reestruturação da vida de todos os envolvidos, e a mudança, mesmo quando desejada, pode ser aterradora.
Estamos, afinal, perante uma realidade familiar em transformação. Actualmente, a família é encarada como uma comunidade emocional e afectiva com base no amor, o que torna o casamento mais vulnerável à dissolução comparativamente à concepção que dele se tinha antes.
Numa sociedade em que tudo é imediato e efémero, também o casamento tende a sê-lo. As ideias de partilha, de solidariedade e de tolerância são relegadas para um plano secundário, num modelo de vida que escolhe em primeiro lugar a satisfação material e a satisfação individual.
Se o casamento não consegue concretizar o sonho que lhe deu origem acaba por morrer, ainda que um dos elementos do casal continue a acreditar nessa concretização.
Os Verdes consideram pertinente a apresentação deste projecto de lei.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona.
A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, faço uma pequena nota introdutória para dizer que percebemos, hoje, que o Bloco de Esquerda «bebe» doutrinalmente do grande estadista Ronald Reagan…
Risos do PS e do PSD.
… e percebemos — o que, do nosso ponto de vista, é mais grave — que pretende discutir o divórcio desassociando-o de uma discussão ponderada sobre o contrato que lhe está necessariamente implícito, ou seja, o casamento. É uma surpresa, pois julgamos que não podemos discutir uma coisa sem a outra.
Mas concordamos, Sr.as e Srs. Deputados, como princípio, que esta matéria deve ser considerada e deve receber atenção e ponderação de toda a Câmara.
Acontece que o projecto de lei n.º 232/X, apresentado pelo Bloco de Esquerda, nos propõe a criação de um regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges. Esta iniciativa, partindo de alegadas mutações sociais e a pretexto de facilitar o processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges, atenta contra um instituto jurídico socialmente consolidado.
O Grupo Parlamentar do PS está ciente de que o instituto do casamento coloca em confronto interesses e valores jurídicos eventualmente conflituantes, por um lado, a liberdade e o direito individual de pôr termo a uma relação conjugal, que, porventura, se torne indesejável e, por outro, a tutela de um vínculo contratual tipificado na lei, que reveste natureza especial decorrente da sua função também estruturante da vida em sociedade.
O quadro constitucional português confere uma especial atenção à família e ao casamento, surgindo a sua tutela inserida no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, bem como em sede de direitos económicos, sociais e culturais.
O texto constitucional português consagra o dever que recai sobre o Estado de proteger o casamento e a família.
Todavia, não é constitucionalmente admissível uma configuração legal da família de acordo com um modelo autoritário ou com uma visão que «absolutize» o interesse supra individual e colectivo da família, não ignorando o legislador nem a jurisprudência que, na sociedade actual, por largas camadas da população, o casamento já não é encarado como uma instituição acima dos próprios cônjuges.
O casamento não deve ser encarado como um valor absoluto, intocável, sobrepondo-se a quaisquer outros direitos e liberdades individuais, mas também não deve ser afectado no seu núcleo essencial de forma desproporcionada e desadequada.
Se é verdade que está fora de causa a constitucionalidade do divórcio com fundamento numa causa objectiva e, portanto, fora das hipóteses de divórcio-sanção por violação culposa dos deveres conjugais, tal não significa que a lei deva admitir o divórcio sem limites, permitindo, designadamente, que, a todo o tempo, por simples declaração unilateral e arbitrária de um dos cônjuges, se proceda à dissolução do casamento.
Por contraposição à união de facto, o casamento tem na sua génese uma garantia institucional e uma tutela assentes numa perspectiva duradoura e estável do vínculo, incompatível com uma natureza demasiado precária.
Afectar o núcleo essencial do direito ao casamento, através, por exemplo, da consagração do direito ao divórcio por uma mera vontade ou declaração unilateral, não pode deixar de ser questionado no plano da