46 | I Série - Número: 083 | 17 de Maio de 2007
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Exactamente!
O Orador: — E as consequências não podiam ser piores, Sr. Secretário de Estado, porque a lesão primeira deste estado de coisas vai direitinha para a imagem do Estado, dos magistrados, do Ministério Público, dos advogados, de todos aqueles que têm responsabilidades na administração da justiça em Portugal.
Só que o dano prático e efectivo cai, de forma muito pragmática, principalmente sobre os cidadãos, que muitas vezes não percebem que as decisões não sejam tomadas em tempo útil e que quase percebem nisso uma muito justificável denegação da justiça e que, por exemplo, não têm razão para sorrir — como o Sr. Secretário de Estado agora faz, quando se fala da justiça, a menos que ache que na justiça tudo vai bem em Portugal…! —, quando todos os dias se fala de casos que os preocupam, como pretensões que dão entrada em tribunal e cuja sentença é muitas vezes proferida apenas dois, três ou quatro anos depois ou recursos que demoram uma eternidade.
Para mim, que também sou advogado, não é, seguramente, razão de satisfação, o mesmo acontecendo para um cidadão que recorre aos tribunais e que espera muito mais do Estado e dos diferentes governos que em Portugal têm tratado a matéria da justiça. Não tenha disso a menor dúvida, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!
O Orador: — O Estado, para ser de direito, tem de investir na justiça e não pode simplesmente aumentar custas judiciais para, no entrave administrativo, desincentivar os cidadãos do recurso aos tribunais e, assim, denegar o direito a uma justiça, que é sua obrigação garantir. Porque, se assim for, o recurso aos tribunais até pode diminuir, mas em tantos casos e na razão inversa a justiça pode ficar por fazer, sendo que quem fica de fora é quase sempre quem tem menos condições, porque quem tem condições vai continuar a recorrer aos tribunais…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Onde é que estavam em 2003?!
O Orador: — Eu falo com o Governo, que é do Partido Socialista, ainda não é da CDU. Portanto, Sr. Deputado, esteja tranquilo, tanto mais que não vejo aqui nenhum diploma do PCP que eu possa avaliar ou analisar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Propõe o Governo a eliminação da taxa de justiça em duas fases.
Diz que a taxa de justiça inicial e subsequente dará lugar a uma taxa de justiça por cada interveniente processual no início do processo. Mas importa saber é qual o montante devido em cada caso, porque a ideia só será boa quando numa taxa única se pague menos do que numa taxa fraccionada. De outra forma, tendo de se pagar de uma só vez o que se podia pagar em duas, para muitos significa que a justiça, que já é cara, ficará incomportável.
Propõe, ainda, a adopção de algumas medidas que visam dar um tratamento diferenciado à litigância em massa, através da fixação de uma taxa de justiça especial para as pessoas colectivas comerciais que, no ano anterior, tenham um volume anual de entradas em tribunal superior a 200 acções. Resta saber se esta medida não viola a nossa Constituição. É que a legitimidade no exercício do direito ao acesso à justiça existe por si e não pode ser afectado em razão do número de litigâncias. Quando um banco presta crédito ou uma companhia de seguros contrata com os cidadãos ou com as empresas prestam um relevantíssimo serviço no plano social, que o Estado não hesita em reclamar, mas, depois, não pode penalizar em razão do número, porque, se assim não fosse, quantos não conseguiriam comprar casa, pagar os estudos, adquirir um veículo automóvel ou, até, circular sem risco acrescido para os demais cidadãos no caso do seguro obrigatório e quantos profissionais liberais — médicos, advogados, engenheiros, para dar alguns exemplos — não se veriam inibidos no exercício das suas profissões pelo risco indemnizatório que muitas vezes, se não fossem os seguros, o exercício dessa profissão acarretaria? Mas, se assim é, para que este serviço relevante seja possível, necessário se torna que esse banco ou essa seguradora contratem, necessariamente, com uma grande multiplicidade de cidadãos e de empresas, só para dar alguns exemplos.
O que pergunto, Sr. Secretário de Estado, é se será, então, legítimo que, perante a falta de parte dessa multiplicidade de cidadãos e de empresas, que também falham nessa relação contratual, os ditos bancos ou seguradoras devam ser penalizados em razão do número de processos, tendo provavelmente razão nas suas pretensões, tanto mais que muitas vezes exibem títulos a instruir os processos que só por si dão grande probabilidade de a justiça lhes ser favorável. Por que razão é que um banco ou uma seguradora que tenham razão em 201 processos — para me limitar ao número 200 que o Governo pondera — hão-de ser antecipadamente penalizados relativamente a um particular com que litiguem pelo simples facto de, do que a este respeita, a pretensão ser isolada e de, do que aos bancos ou às seguradoras respeita, os processos serem muitos mais? Parece-me uma perversão no plano da administração da justiça e da aplicação do direito.
Daí as dúvidas, que temos por legítimas, sobre a conformação destes condicionamentos com o exercício do direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º da Constituição.