23 | I Série - Número: 063 | 27 de Março de 2008
O Sr. Patinha Antão (PSD): — Concluo já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, sabe qual a melhor medida para injectar liquidez na economia? É o Estado pagar o que deve, a tempo e horas!! Tenham a coragem de fazer um programa de aumento da dívida pública,…
O Sr. Afonso Candal (PS): — Não é preciso!
O Sr. Patinha Antão (PSD): — … sejam transparentes e paguem às empresas o que lhes devem!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, em representação do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ramalho.
O Sr. Vítor Ramalho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe-me hoje falar de nós. Este possessivo do plural vem carregado de futuro porque é singular e único: indica-nos a prioridade da «estrada» que, agora e aqui, devemos seguir; encerra um desígnio suportado em alicerces de uma memória que é colectiva, feita de encontros de culturas que nos deu, a todos, uma identidade diferenciada de sermos e estarmos — eu disse a todos e não a este ou àquele povo em particular! Falo dos povos da fala comum à nossa, verdadeiros cidadãos do mundo que, dispersos pelos vários cantos dele, se exprimem pela terceira língua mais falada do Ocidente e a sexta do mundo.
Esta singularidade tem reflexos, e muitos, no concreto. Um português de referência, da grandeza da nossa alma, nascido há 400 anos, neto directo de um africano — é bom recordá-lo! — e que pregou sermões aos peixes com uma densa universalidade humanista, marcando a igualdade, aí está a atestá-lo.
Bem haja, Padre António Vieira! Mas também esse angolano que nasceu português, Luandino Vieira, que é património comum, e tantos outros, passando por Almada Negreiros, que era português não sendo também totalmente português de origem, ou por aquele outro, Mário de Andrade, que foi presidente do MPLA e acabou Ministro da Cultura, na Guiné-Bissau. E, ainda, porque não recordar Cármen Miranda que, traduzindo a simbiose desses cruzamentos de cultura, afadistou o samba e sambou o fado.
O melómano brasileiro José Ramos Tinhorão, ao escrever Os Negros em Portugal — Uma presença Silenciosa, é desta miscigenação que nos fala ao coração e, logicamente, também por isso, da grandeza da nossa alma.
Quis, por isso, o destino, soprado pela luta comum dos povos que o derrube do regime que oprimia, em simultâneo, o português e os das ex-colónias de África nos devolvesse a liberdade e a eles a independência.
Todos, hoje, irmanados, em resultado disso mas também de naturais desencontros como quem tem paixão, numa realidade institucional de cidadãos do mundo que somos e que se chama CPLP. Nela há uma igualdade plena, agora reforçada pela criação do 5.º órgão, que é a Assembleia Parlamentar de todos os parlamentos dos oito. Caso único no mundo — repito «caso único no mundo»! — e sem paralelo. Porque a memória, agora, tem de ser a memória do futuro.
Que não haja ilusões sobre este nosso futuro — eu não as tenho —, que, assim concebido com estratégia de longo prazo, aproveitará à própria União Europeia, numa cooperação reforçada se a quisermos conjugar com as relações ibero-americanas, aprofundando pontos entre continentes e rasgando a economia e o desenvolvimento pelo sonho.
Sim, pelo sonho, porque é ele que constrói o futuro, como dizia António Gedeão, esse mesmo que nos recordou que o ensaio laboratorial de uma lágrima, seja de preta ou de branca, dá a mesma composição química no final. E nós sabemos de experiência feita que a nossa comunidade ou será multicultural e multiétnica ou jamais será. Mas ela é! Ainda recentemente, dois angolanos, Joaquim Pinto de Andrade e Gentil Viana, que nos deixaram, reforçaram, com a luta de uma vida inteira, esse legado para nós, tendo morrido pobres mas podendo ter vivido ricos e com todas as mordomias.