I SÉRIE — NÚMERO 2
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Não resta dúvida, muita gente já o tinha dito, a lei de bases de há 25 anos foi um feito importante na
legislação portuguesa, na alteração de práticas na nossa sociedade e, até, de atualização europeia do País a
nível ambiental, em todas as políticas relativas aos ecossistemas, mas tinha efetivamente muito
particularismos, questões datadas, questões já ultrapassadas.
Entretanto, foi-se constituindo uma legislação plural e avulsa, variada, sob vários regimes jurídicos, outro
tipo de legislação ordinária, etc. Portanto, é compreensível e aceitável a ideia de que à lei de bases deve caber
um papel matriz e não tão regulamentador, tão casuístico ou tão localizado. Esse parece ser um bom princípio
legislativo, o problema é que esta lei não é isso, e aí está a dificuldade metodológica que aqui enfrentamos.
Diz a Sr.ª Ministra que espera que esta lei de bases seja a «Constituição». Pois não é nem a Constituição
original, a da República, nem chega a sê-lo para a legislação geral da área do ambiente. Se verificarmos, na
Constituição da República, em política ambiental — e é de política que falamos —, temos até aspetos mais
precisos do que nesta lei de bases do ambiente.
Temos agora de interrogar-nos acerca de um conjunto de circunstâncias. Diziam-nos que a atualização da
Lei de Bases do Ambiente é forçosa não só porque é preciso atualizar o corpo legislativo mas também porque
a política de ambiente tem de refletir não apenas os novos conceitos que estão em diálogo internacional, como
o desenvolvimento sustentável, etc., mas tem de ter hoje resposta para fenómenos como a poluição ou a
contaminação do meio ambiente e também para as alterações climáticas, o aquecimento global ou a
necessidade de uma economia descarbonizada.
Sobre este grande combate às alterações climáticas, temos duas linhas, não temos nenhuma medida
concreta na lei de bases do ambiente. A resposta pode ser, de a a z, sempre a mesma: não é preciso estar na
lei de bases, teremos imensa legislação avulsa. Mas a verdade é que não está nada no diploma: não está lá
nada que nos vincule à diminuição de energias fósseis, não está lá nada que nos vincule a uma oferta
privilegiada de transporte público, não está lá nada que nos vincule à eficiência energética de edifícios, não
está lá nada que nos vincule a qualquer perspetiva programática ou concreta sobre o que quer que seja, e era
este o grande desafio. Ora, esse grande desafio está ausente da lei de bases.
Mas há muito mais do que isto na vagueza, imprecisão e omissão desta lei de bases do ambiente. Por
exemplo, quanto à mercantilização dos níveis de poluição, já não está na lei o princípio de proibir, que depois
tinha matizações nos chamados limites admissíveis. Isso desaparece da lei de bases. Porquê? Porque há
mercantilização dos direitos de poluição. Ora, este conceito de promiscuidade é horrível, do ponto de vista de
uma política de ambiente.
Depois, a informação ambiental está condicionada, logo na lei de bases, por várias leis de segredo. Nós já
sabemos o que é que isso quer dizer!…
A avaliação do risco biotecnológico é casuístico, não tem sequer um conjunto de critérios enquadradores.
Porque é que o OGM nas batatas é mau mas no tomate é bom, por exemplo? Porquê? Quais são os critérios
que enquadram?
Dir-se-á ainda que a lei de bases não tem nada sobre ordenamento do território ou paisagem porque já
existe o regime jurídico do ordenamento do território. Mas uma lei de bases, mesmo até na sua aceção de
miniconstituição sobre a área do ambiente, não teria de ter um relacionamento com princípios essenciais de
ordenamento do território? Como é que seccionamos o ordenamento do território, o edificado, do geral, do
ambiente? Temos um ecossistema sem o edificado humano? Não faz muito sentido, Sr.ª Ministra.
Para além disso, no que toca à reserva de solos, não há sequer estas três palavras: reserva de solos. Não
se está a exigir sequer que fosse mais densificada, mas não há no diploma nenhuma previsão de reservas de
solos. Há previsão de parques, nem sequer é bem um contínuo natural, mas não há reserva de solos como
temos hoje — Reserva Agrícola Nacional (RAN), Reserva Ecológica Nacional (REN), etc. —, não há princípios
sobre isso, o diploma é absolutamente omisso.
Depois, do ponto de vista da responsabilidade ambiental, de um regime sancionatório, de um regime de
contraordenações, o diploma é absolutamente omisso. Dir-me-á que está noutra legislação. Bem, afinal, está
tudo em qualquer outro lado.
Quanto a algo que é hoje muito decisivo, farei justiça de dizer que nesta proposta de lei estão previstos
direitos procedimentais, direitos administrativos, estão inclusivamente previstas algumas responsabilidades
dos poderes públicos que devem ser tipificados e chamados em sede judicial. Portanto, farei justiça de dizer