I SÉRIE — NÚMERO 18
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lugar, é necessário controlar a evolução da dívida pública e garantir as condições que permitam a obtenção do
necessário financiamento nos mercados.
No entanto, a gestão de um processo de regresso ao financiamento de mercados é um processo delicado e
frágil. As expectativas dos investidores, por sua vez, dependem da evolução das perspetivas para as finanças
públicas. Os investidores em valores do crédito público de Portugal avaliam as perspetivas de recuperação do
seu investimento e o risco a ele associado. A relevância de considerações de risco de crédito público é
precisamente o que define o longo prazo nas finanças públicas.
Para ser explícito: o longo prazo chega quando os investidores que, em condições normais, financiam sem
hesitação a diferença entre as despesas e receitas das administrações públicas se questionam sobre o valor
do crédito público. Se um país é incapaz de evitar o descrédito público, então, a falta de financiamento força
um ajustamento abrupto e desordenado. O caso da Argentina é o exemplo mais paradigmático.
O Sr. Honório Novo (PCP): — E o da Islândia, Sr. Ministro, o que é?!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Em 2001, deu-se um pânico bancário e verificaram-se
motins de rua. A situação política tornou-se insustentável: em poucos meses sucederam-se três presidentes.
As poupanças foram rapidamente destruídas e o desemprego aumentou. Os efeitos da grave crise social que
se seguiu ainda perduram.
Mas o exemplo aplica-se igualmente a Portugal: sem o apoio oficial, o nosso País teria sofrido um
ajustamento abrupto e desordenado em junho de 2011.
A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Em 2011, Portugal foi forçado a um ajustamento abrupto,
depois de mais de uma década de acumulação de dívida pública (e também privada).
Para concluirmos o programa de ajustamento com sucesso como previsto em junho de 2014, temos de ter
resolvido o problema do crédito público em Portugal. Desta forma, o longo prazo apresenta-se hoje e
apresenta-se com urgência. Está presente aqui e agora. Exige respostas a perguntas como: como vai
financiar-se o Tesouro português? Quais as funções prioritárias do Estado? Quais as despesas necessárias ao
funcionamento efetivo do Estado social em Portugal? Quais os modelos de organização e gestão das
administrações públicas? Como vão ser pagas as despesas presentes? Como vão ser pagas as despesas
futuras?
Isso conduz-nos a um problema político fundamental. Jürgen Habermas diz-nos que: «… no terceiro quartel
do século XX o estado de bem-estar foi, de maneira geral, bem sucedido na compensação das consequências
sociais indesejáveis de um sistema económico altamente produtivo na Europa e nos outros países da OCDE.
Pela primeira vez o sistema capitalista foi capaz de realizar o ideal republicano de inclusão de todos os
cidadãos.» Em Portugal este ideal republicano apenas pôde começar a ser realizado com a transição para a
democracia em 1976.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Esta concretização esteve associada a um constante
crescimento da despesa pública. Este crescimento superou fortemente o crescimento do Produto: a despesa
das administrações públicas passou de 28,7% do PIB, em 1977, para 41,4%, em 1998 (o ano anterior ao
começo da área do euro), e, finalmente, para um máximo de 51,2%, em 2010. Durante mais de três décadas,
o Governo português fez uma série de promessas e criou uma série de expetativas sobre o que os cidadãos
podem legitimamente esperar da Administração Pública. Esta tendência acentuou-se desde o começo da área
do euro.
Somos, assim, conduzidos ao problema político fundamental: a diferença entre o que os portugueses
esperam obter das administrações públicas e os impostos que estão dispostos a pagar para assegurar esses
mesmos serviços.