I SÉRIE — NÚMERO 22
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de sobre os Deputados recair o exercício da ação penal pela instauração de procedimento criminal (artigo
157.º, n.º 2 da CRP e artigo 11.º, n.º 2 do ED) e, por fim, aqueloutro conjunto de situações em que, existindo já
uma acusação definitiva do Deputado em processo-crime, a Assembleia da República é chamada a decidir da
suspensão do mandato parlamentar para prosseguimento do processo (artigo 157.º, n.º 4 da CRP e artigo
11.º, n.º 3 do ED).
Tal regime encontra fundamento na necessidade de preservação de valores essenciais ao funcionamento
democrático da dimensão parlamentar do sistema político, nomeadamente a garantia de total liberdade e
independência no exercício do mandato parlamentar e a preservação da composição da Assembleia da
República. Estes valores, sendo fundamento das normas constitucionais e legais referidas, são igualmente
critério e limite da sua aplicação, princípios norteadores de mobilização obrigatória pela Assembleia da
República em cada uma das decisões que houver de tomar nesse âmbito, tanto em matéria de
irresponsabilidades como de imunidades em sentido restrito ou inviolabilidade do mandato.
Sendo fundamento do regime constitucional e legal das imunidades parlamentares, os valores da garantia
de total liberdade e independência no exercício do mandato parlamentar e da preservação da composição da
Assembleia da República não são, no entanto, valores absolutos e supremos, havendo que ser confrontados e
ponderados em função de outros valores e interesses perante os quais poderão decair total ou parcialmente.
Assim acontece sempre que esteja em causa a defesa de bem jurídico cuja violação seja punida com pena de
prisão superior a 3 anos e, simultaneamente, tenha havido detenção em flagrante delito — para efeitos de
privação de liberdade — ou haja fortes indícios da prática do crime — para efeitos de instauração de
procedimento criminal.
II — O instituto das imunidades parlamentares
Para lá da mobilização dos critérios e princípios de natureza geral que fundamentam o regime
constitucional e legal de imunidades parlamentares, a correta aplicação deste regime implicará sempre a
identificação dos valores em presença em cada uma das situações a decidir, bem como a correta ponderação
do conflito que eventualmente motivem. Não serão de admitir nesta matéria soluções que apontem para o
recurso a decisões tabelares, desconsiderando a apreciação das específicas circunstâncias de cada uma das
situações concretas a decidir.
Assim sendo, em cada decisão de aplicação do regime de imunidades parlamentares haverá de se fazer o
confronto entre a enunciação geral e abstrata dos princípios e valores que motivam as normas legais e
constitucionais e as concretas exigências colocadas pela decisão a proferir em função da situação concreta
que se aprecia.
A correta aferição do âmbito de cobertura do regime de irresponsabilidade, previsto no n.º 1 do artigo 157.º
da Constituição e no artigo 10.º do Estatuto dos Deputados, exigirá, portanto, a análise de múltiplas dimensões
da situação concreta, relevando aqui menos o local e o momento que o contexto, conteúdo e alcance das
afirmações ou opiniões expressas pelo Deputado.
Não podendo ser totalmente fundada em critérios objetivos, esta apreciação deverá sê-lo tanto quanto
possível, procurando que com cada decisão concreta se forme terreno mais seguro para decisões futuras.
Poderá, por isso, considerar-se correta a orientação expressa em inúmeros pareceres aprovados pela
Assembleia da República no sentido de reconhecer que, sempre que esteja em causa procedimento criminal
motivado por afirmações, declarações ou opiniões proferidas no exercício do mandato parlamentar, será de
recusar o levantamento da imunidade ao Deputado pelo regime de irresponsabilidade a que deve estar sujeito
para salvaguarda e defesa da própria Assembleia da República e do mandato parlamentar.
De facto, sendo evidente que se trata de matéria a coberto do regime da irresponsabilidade, e sem prejuízo
da apreciação jurisdicional que tal cobertura possa merecer a partir do momento em que cesse o mandato
parlamentar, a Assembleia da República deve recusar, sempre que o possa fazer, a limitação da liberdade e
independência no exercício do mandato parlamentar decorrente da instauração ou prosseguimento de um
processo-crime com tal fundamento e natureza.
Aceitando-se este critério, apenas nas situações em que não estejam em causa afirmações, declarações
ou opiniões proferidas no exercício do mandato parlamentar será de ponderar o não levantamento da
imunidade, obviamente orientado e motivado pelos princípios e valores que fundamentam o regime da
inviolabilidade do mandato.