24 DE NOVEMBRO DE 2012
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Numa ou noutra situação, o que a Assembleia da República nunca deverá fazer é proceder a uma
apreciação pré-jurisdicional do mérito ou fundamento do procedimento criminal, sobretudo evitando
considerações quanto aos seus intuitos ou objetivos.
Por muito que possam existir elementos que apontem para a maior ou menor fundamentação, justificação
ou sucesso do procedimento criminal, a decisão a proferir pela Assembleia da República deve ter como único
critério e limite a apreciação do eventual condicionamento da liberdade e independência no exercício do
mandato parlamentar em função da existência ou prosseguimento do procedimento criminal.
III — Levantamento de imunidade parlamentar à Sr.a Deputada Ana Paula Vitorino
Da apreciação do caso concreto resulta claro que os factos justificativos e motivadores do procedimento
criminal em apreço não encontram cobertura no regime de irresponsabilidade, previsto no n.º 1 do artigo 157.º
da Constituição da República Portuguesa e no artigo 10.º do Estatuto dos Deputados.
Aceitar que declarações prestadas por um Deputado em tribunal, no âmbito de processo civil, disciplinar ou
mesmo criminal e ainda que no âmbito de depoimento autorizado pela Assembleia da República, sejam
consideradas como proferidas no exercício do mandato parlamentar, apenas e só porque coincidentes com o
momento de exercício desse mandato, seria manifestamente inaceitável.
Não bastará igualmente arguir que tais declarações justificam a referida proteção por incidirem sobre factos
cujo conhecimento foi obtido no exercício de funções políticas e públicas, no caso governativas. Se nem aos
Deputados é garantido tal regime de proteção quanto às afirmações, declarações ou opiniões que profiram —
limitando-se o regime da irresponsabilidade a abranger apenas as proferidas no exercício do mandato
parlamentar e não as que resultem de factos cujo conhecimento decorra do referido mandato —, não se
poderá aceitar tal extensão do regime da irresponsabilidade a declarações que incidam sobre factos que
nenhuma relação têm com o mandato parlamentar.
Os exatos termos de análise da questão em apreço deverão ser, portanto, os da aplicação do regime da
inviolabilidade do mandato, avaliando a existência de eventual condicionamento da liberdade e independência
no exercício do mandato parlamentar em função da existência do procedimento criminal — e não do seu
prosseguimento, uma vez que essa será questão a apreciar se e quando existir acusação definitiva da Sr.ª
Deputada e que sempre poderá merecer apreciação em sentido divergente daquele que ora se adotar.
É nessa medida que importa considerar — agora sim — como relevante o facto de as declarações objeto
do procedimento criminal incidirem sobre matéria de natureza pública e política, frequentemente objeto de
debate político e parlamentar.
Por outro lado, e considerando tal facto, deve a Assembleia da República ponderar se do procedimento
criminal resulta condicionamento da liberdade e independência no exercício do mandato parlamentar,
avaliando não só as consequências da sua existência mas também as do seu diferimento para momento
posterior ao exercício do mandato.
Na primeira hipótese — a da instauração do procedimento criminal —, a Sr.ª Deputada será constituída
arguida e poderá exercer o seu direito de defesa no âmbito do processo-crime, sendo a acusação particular
promovida pelo assistente nos autos sujeita a comprovação judicial para prosseguimento do processo.
Na segunda hipótese — a do diferimento do procedimento criminal para momento posterior ao exercício do
mandato —, suspender-se-á a comprovação judicial da existência de indícios da prática do crime, mantendo-
se em suspenso a apreciação dos elementos que foram até ao momento carreados para o processo-crime,
nomeadamente os constantes da acusação particular promovida pelo assistente nos autos, sem exercício do
direito de defesa por parte da Sr.ª Deputada.
Desta segunda hipótese, parece poder resultar a possibilidade de limitação ou desvalor da intervenção
parlamentar, com consequente condicionamento da liberdade e independência no exercício do mandato
parlamentar por parte da Sr.ª Deputada.
Apreciação, aliás, que facilmente se entenderá que não é inédita se se considerar a decisão da Assembleia
da República relativamente ao procedimento criminal movido contra um Sr. Deputado pela prática dos crimes
de atentado à liberdade de imprensa e atentado à liberdade de informação.
Também nesta outra situação entendeu a Assembleia da República que o diferimento do procedimento
criminal para momento posterior ao exercício do mandato colidiria com a necessária salvaguarda da liberdade
e independência do exercício do mandato parlamentar, pelo que deveria ser afastada a imunidade, tendo
chegado mesmo a decidir-se pela suspensão do mandato para prosseguimento do procedimento criminal.