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I SÉRIE — NÚMERO 29

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Mais: o contrato de concessão da ANA foi ontem aprovado em Conselho de Ministros e as propostas de

aquisição terão de ser entregues até quinta-feira. Isso mesmo, é mesmo assim: 48 horas para os interessados

consultarem o contrato, estudarem as condições, verem o custo-benefício desta operação e apresentarem as

suas propostas. Como é que as propostas iniciais (não vinculativas) foram entregues quando ainda não se

conheciam as condições do contrato de concessão que, supostamente, estavam a tentar adquirir? Não

sabemos. Não há outra forma de ver isto: há aqui uma negociata com o «dedo de fora». Se isto não é um

contrato feito à medida, e já bem conhecido por um ou mais interessados, então o Governo está a disfarçar

muito bem.

Estes processos de privatização não são só um crime para os interesses do Estado, postos em causa pelo

negócio de meia dúzia. São também, pela forma como são conduzidos, sem pés nem cabeça e sem qualquer

transparência, um insulto à inteligência dos cidadãos.

No caso da TAP, a história também é bem ilustrativa. No próprio dia em que o Governo aprovou o caderno

de encargos relativos à privatização da TAP, escolheu também o comprador — um «dois-em-um» nunca antes

visto. O comprador, por seu lado, teve de usar a imaginação para contornar a legislação europeia que proíbe a

propriedade de transportadoras aéreas europeias por não-comunitários e conseguiu, num volte-face quase

cinematográfico, um passaporte polaco e abriu uma sucursal no Luxemburgo.

Por vezes, como dizia um antigo Primeiro-Ministro, «é só fazer as contas». Aparentemente, o comprador

terá avançado com uma oferta de 1500 milhões de euros para a TAP. Desses 1500 milhões, cerca de 1200

devem cobrir o passivo da TAP e 300 000 serão repostos na TAP, sob a forma de capitais próprios. O que

falta nesta equação é que a dívida da TAP corresponde praticamente aos seus ativos, com um diferencial de

cerca de 300 milhões e falta lembrar que, para o comprador em questão, os efeitos multiplicadores de ligação

com a área de atuação da TAP com o seu próprio negócio são quase certos. É por isso que economistas

reputados têm afirmado que a privatização, a fazer-se, deveria, pelo menos, permitir angariar 700 milhões de

euros. Mas parece que não vai ser assim. No fim, aparentemente, o comprador deixará apenas uma gorjeta ao

Governo — nos cofres do Estado entrará a módica quantia de 20 milhões de euros. Entre 700 milhões e 20

milhões «é só fazer as contas». Pior era difícil!

Por isso mesmo, todas as vozes se têm levantado, até de ex-líderes do PSD, dizendo que negócios tão

ruinosos para o interesse público não podem ser consumados.

A Transportadora Aérea Portuguesa e a ANA não são duas empresas quaisquer.

A ANA é uma das empresas públicas mais rentáveis, gerando, ano após ano, dezenas de milhões de euros

de lucros para os cofres do Estado — ou seja, até hoje a ANA foi sempre um instrumento ativo de

consolidação das finanças públicas. Aliená-la é colocar em risco essa mesma consolidação orçamental.

No caso de uma empresa estratégica de transportes como a TAP, não estamos apenas a discutir uma

companhia aérea, mas, antes, uma importante ferramenta de resposta à crise, um elemento central para

qualquer estratégia de crescimento económico que tire o País do buraco em que nos enfiaram. A TAP foi em

2010 e em 2011 a maior exportadora nacional, figura entre a meia dúzia de companhias aéreas mais eficientes

do mundo e é líder numa das ligações áreas mais apetecidas, com maior potencial de expansão mundial: a

linha entre a Europa e o Brasil.

É por isso que a sua privatização não é apenas um mau negócio, uma venda ao desbarato. É um negócio

histórico e sem paralelo na Europa, um caso de estudo que certamente o Dr. António Borges irá dedicar-se a

ensinar aos ministros sem equivalência, porque, sobretudo, é um negócio político.

E é um sinal de capitulação do Governo, que coloca o País refém de interesses estrangeiros, que não

controla, num setor estratégico e central para a competitividade da economia penhorando o futuro do País.

Não chega, portanto, ao Ministro da Economia falar de reindustrialização do País quando nada resta ao

Estado para incentivar o investimento no País. Não chega ao Ministro das Finanças emprestar dinheiro a si

próprio para levar à troica os resultados que prometeu. E não chega ao Sr. Primeiro-Ministro olhar para tudo

isto e achar que o País aguenta esta pirataria económica.

As privatizações do Governo são, hoje, o maior investimento na austeridade futura. E é nesta matéria que o

Bloco de Esquerda mantém a sua posição de princípio: não se privatizam setores estratégicos e monopólios

naturais, porque não resolvem nada, garantem apenas que todos iremos pagar mais caro as rendas dos

amigos deste Governo.