I SÉRIE — NÚMERO 40
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Relativamente ao Código de Processo Penal, destacamos como particularmente negativas as alterações
introduzidas ao processo sumário e ao regime de valoração em sede de audiência de julgamento de
declarações prestadas por arguido ou testemunha em fase anterior do processo.
Trata-se de alterações de cariz marcadamente populista que, a coberto de argumentos e sentimentos
justos quanto à necessidade de combater a utilização de expedientes dilatórios que visam a ineficácia da
justiça penal, introduzem afinal modificações profundas em princípios estruturantes do processo penal
adquiridos e estabilizados há muitos anos, fazendo prevalecer uma conceção securitária, justicialista e
retributiva da ação penal, profundamente contrária à evolução que ao longo de décadas — ou mesmo séculos
— se registou no nosso País, inspirada por princípios humanistas e objetivos de ressocialização.
Confundindo deliberadamente celeridade da justiça com pressa no julgamento, o Governo fez aprovar uma
alteração que permite a utilização do processo sumário no julgamento de crimes de maior gravidade,
satisfazendo o clamor populista de julgamentos feitos ao ritmo, nos prazos e com os critérios das manchetes
sensacionalistas de alguma comunicação social.
Esta alteração em nada contribuirá para a proclamada credibilização do sistema judicial e, pelo contrário,
introduzirá acrescidos fatores de pressão sobre os tribunais — e, em particular, os juízes — para que de forma
exemplar condenem aqueles que já foram condenados «em praça pública», enquanto outros continuarão a
poder mobilizar todos os meios económicos ao seu dispor para beneficiar da morosidade da justiça. Além
disso, desconsideram-se por completo medidas — algumas propostas pelo PCP — para que o processo
sumário pudesse ser plenamente utilizado na sua atual configuração, com óbvios ganhos de celeridade e sem
hipotecar valores fundamentais norteadores da ação penal.
Por outro lado, procurando atribuir à prova testemunhal uma artificial — e desajustada — relevância para a
descoberta da verdade material, o Governo propôs para as declarações prestadas por arguido e testemunhas
durante o processo um regime de valoração em sede de julgamento que põe em causa princípios
estruturantes do processo penal, como os da imediação da prova ou do contraditório na fase de julgamento.
Pretensamente em nome do combate ao falso testemunho — já punido criminalmente — o Governo fez
aprovar alterações que «amarram» arguido e testemunhas em julgamento a declarações que prestaram
anteriormente, sem contraditório, de forma limitada quanto aos factos e circunstâncias a considerar e sem
exata noção da relevância e amplitude exigida ao seu depoimento.
Neste âmbito, o PCP propôs a possibilidade de serem tomadas declarações a testemunhas no regime de
declarações para memória futura sempre que o Ministério Público considerasse tal depoimento relevante e
estando em causa a prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, sem que no
entanto tal proposta tivesse sido acolhida.
Relativamente ao Código Penal, o PCP considera terem sido igualmente introduzidas alterações
profundamente negativas, de sentido contrário àquele que uma conceção democrática da justiça penal
imporia.
O aumento para um ano do limite mínimo da moldura penal do crime de resistência e coação sobre
funcionário não tem qualquer outra justificação que não a de «muscular» a resposta criminal repressiva à
contestação social às políticas do Governo, procurando com a justiça criminal responder a uma situação que
exige respostas políticas, económicas e sociais que continuam a não existir.
Quanto ao regime da prescrição, entendendo que o objetivo das alterações seria justo, o PCP divergiu no
entanto da solução encontrada. Considerando que devem ser combatidas todas as formas de fuga à justiça,
nomeadamente a utilização de expedientes dilatórios visando a prescrição, o PCP propôs em alternativa à
solução do Governo que o alargamento dos prazos de suspensão da prescrição respeitasse um critério de
proporcionalidade entre o prazo de suspensão e o próprio prazo de prescrição.
A proposta do PCP foi, no entanto, rejeitada.
Também quanto ao regime proposto pelo Governo para os crimes de furto de bens de valor diminuto,
exigindo acusação particular, não foi acolhida a proposta apresentada pelo PCP no sentido de privilegiar a
utilização dos meios de diversão penal, designadamente a suspensão provisória do processo.
Por outro lado, também a reintrodução do crime de falsas declarações, nos termos em que é proposta, é
motivo de oposição do PCP na medida em que recupera para o ordenamento jurídico-criminal português
normas que dele foram eliminadas depois de, ao fim de quase 30 anos em vigor, continuarem a revelar-se
fonte de inúmeras dificuldades interpretativas e jurisprudenciais.