I SÉRIE — NÚMERO 110
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Como podemos falar de transparência nos processos de privatização quando os motivos que norteiam
esses processos de privatização são a competitividade e a redução da dívida pública e, depois, percebemos
que, afinal, não foi nada disso?
Olhemos para trás, Sr. Deputado.
Sobre a competitividade, pergunto: onde está a competitividade dos setores que foram objeto de
privatização no passado? Onde está a competitividade dos setores como o setor financeiro, o setor elétrico ou
o setor dos combustíveis?
No acesso ao crédito estamos muito pior — certamente, o Sr. Deputado concordará comigo. Quanto à
eletricidade e aos combustíveis, as famílias e as pequenas e médias empresas pagam hoje muito mais do que
o que pagavam antes das privatizações. Aliás, hoje até são quem mais paga em toda a Europa. Portanto, é
justo perguntar: afinal, onde está a competitividade, que é um dos motivos que tem levado à privatização de
muitas empresas?
O outro argumento que tem sido invocado pelos Governos para privatizar tem a ver com a redução das
dívida pública e, aqui, parece que não se quer perceber que a dívida aumenta ao ritmo do volume das
privatizações e que, quanto mais se privatiza, mais aumenta a dívida.
É preciso olhar para trás de facto, Sr. Deputado, porque se o Governo olhasse para trás, fizesse ou
quisesse fazer contas, perceberia que os lucros das empresas que foram privatizadas no passado, como os
casos da EDP, da Galp, da PT, da REN ou da Brisa, contribuíram, durante anos, com fortes e grandes receitas
para o Orçamento do Estado. Mas é preciso olhar para trás, Sr. Deputado.
O mesmo se diga das empresas que o Governo agora quer privatizar.
Vejamos: os lucros da Empresa Geral de Fomento ascenderam a 21 milhões de euros no ano passado; a
TAP, para além de nada receber do Orçamento do Estado, ainda contribui com receitas (para o Estado) de
mais de 200 milhões de euros por ano; a ANA, nos últimos 10 anos, entregou ao Estado mais de 525 milhões
de euros e, só no ano passado, fez entrar nos cofres do Estado cerca de 70 milhões de euros. Isto já para não
falar dos CTT, que também continuam a dar dinheiro ao Estado.
Portanto, é justo perguntar onde está a transparência nestes processos, porque, de facto, acabamos por
perceber que os motivos que levaram à privatização são falsos. E quando mentimos às pessoas não podemos
falar de transparência.
Também não sei se aqui, quando falamos de transparência, estamos a referir o caso da ANA, que é
sintomático em termos de transparência, porque foi um processo muito conturbado, que até envolveu um
contrato de concessão de serviço público com a ANA, o que é estranho, porque a ANA já tinha esse serviço
público e o Governo fez um contrato de concessão de serviço público para a ANA — foi para enganar o
Eurostat, não foi Sr. Secretário de Estado? Certamente que sim!
Portanto, há contornos na privatização da ANA que ainda estão hoje por esclarecer. Aliás, o conteúdo do
contrato tinha como pressuposto que se tratava de duas entidades públicas, mas o conteúdo pretendia definir
as bases de concessão por 40 ou 50 anos a um grupo privado. Portanto, também aqui se vê o nível de
transparência deste processo de privatização.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nuno Encarnação, estávamos a ouvir o tom
da sua intervenção, do alto da tribuna, e quase ficámos com a sensação de que o Sr. Deputado estava a falar
dos Governos de Fontes Pereira de Melo no século XIX, em que se investiu muito no alcatrão e nas obras e,
depois, chegou-se à conclusão de que tínhamos de pagar aquelas obras. Só que o Sr. Deputado não está a
falar do século XIX, mas, sim, de um momento — aquele em que vivemos — em que o PSD tem pesadas
responsabilidades em todas as opções que têm sido tomadas no nosso País nesta matéria.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — O Sr. Deputado criticou o excesso de alcatrão. Mas qual foi o Governo que
fez do alcatrão a sua maior bandeira eleitoral?