I SÉRIE — NÚMERO 45
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Efetivamente, ontem, houve bom senso por parte da leiloeira, que percebeu que o cumprimento da lei é
fundamental para assegurarmos e garantirmos, no fundo, o comércio internacional de obras de arte. E,
portanto, por essa via, o bom senso que faltou ao Governo viemos a encontrámo-lo na leiloeira, com um efeito
colateral positivo, que foi o de salvaguardarmos um património absolutamente único e cuja alienação é
absolutamente incompreensível. Foi esta a oportunidade que hoje se abriu.
Portanto, o debate que temos pela frente, Sr.ª Deputada — e pergunto-lhe se concorda com esta leitura —,
tem dois caminhos importantes.
Um primeiro caminho, também frisado pelo Sr. Deputado Miguel Tiago, é o do esclarecimento exato daquilo
que sucedeu. É claro hoje que houve ilegalidade — a palavra é esta: ilegalidade — no procedimento de
expedição das obras e que houve também incúria no que respeita ao procedimento de classificação e
inventariação. Portanto, o passado é relevante para percebermos quais os erros e como evitá-los, mas
também temos um caminho importante para o futuro.
Conseguimos travar o mais grave — a saída destas obras do território português —, importa agora definir
uma estratégia, definir uma forma de efetivamente assegurarmos que essas obras serão conhecidas dos
portugueses e de quem visita Portugal, de valorizar este património. Mesmo quem tem uma leitura estrita e
pobremente economicista da matéria terá de reconhecer que há um valor intrínseco, que todo o Estado
beneficiaria da possibilidade de exposição destas obras entre nós.
Portanto, quem acha que está a fazer um grande negócio alienando um valor incalculável claramente não
percebe que tem nas mãos um tesouro, o qual está disponível para desbaratar, porque não tem atenção, não
tem sensibilidade para as questões culturais.
Por isso, o Partido Socialista entregou ontem, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, um
requerimento, solicitando que o Sr. Secretário de Estado da Cultura e a Parvalorem venham prestar
esclarecimentos à Comissão para que travemos um debate — esse, sim, o mais importante, devo dizer —
sobre o que vamos fazer agora que travámos esta aparente inevitabilidade, que, afinal, não foi tão inevitável
quanto isso.
A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, queira terminar.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Termino já, Sr.ª Presidente.
Penso num ilustre dos nossos vizinhos espanhóis, que também proclamava a necessidade de, em
momentos de dificuldade, em momentos de agrura, valorizar a inteligência. Quando teve de enfrentar os
generais que tentavam calar a voz da universidade e a voz da inteligência, gritando «morra a inteligência»,
Unamuno foi capaz de afirmar que era o sumo-sacerdote do templo da inteligência e da cultura.
Recordemos, portanto, estas palavras, neste momento em que, felizmente, conseguimos travar o mal maior
— um mal maior para Portugal e um mal maior também para aqueles que poderão beneficiar das obras que,
agora sim, estão salvaguardadas.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Peço aos Srs. Deputados que respeitem os tempos.
Para fazer o próximo pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, cumprimento-a pela sua
declaração política.
Ficámos a saber que os 85 quadros seguiram, afinal, pela mala diplomática, como se fossem propriedade
do Estado, e que a Direção-Geral do Património Cultural não passou as guias que teria de passar caso se
tratasse de propriedade privada. Isto é tanto mais curioso quanto sabemos que o Sr. Secretário de Estado da
Cultura afirmou ontem que «dizer que os Miró são do Estado é uma mistificação». Pergunto, então, como é
que, afinal, deixaram seguir a mistificação pela mala diplomática.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!