27 DE FEVEREIRO DE 2014
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os debates internacionais sobre o tema, criminalizando autonomamente a mutilação genital feminina. Aliás, a
Convenção de Istambul, que foi tão celebrada aqui, nesta Casa, e que foi ratificada sintomaticamente na
véspera do Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, aponta o caminho, interpela os
Estados no sentido de avançarem para um tipo autónomo de crime público que constitua uma incriminação
específica e cabal de todas as práticas de MGF.
Tal como sucedeu com a violência doméstica, há um longo caminho a percorrer até que a proteção das
vítimas desta prática tradicional seja efetivamente tutelada pela sociedade portuguesa.
Dos três casos de MGF que deram entrada nos tribunais portugueses, Srs. Deputados e Sr.as
Deputadas,
até hoje nenhum deles foi considerado ofensa à integridade física grave. Num deles, a ausência de metade do
pequeno lábio direito e do capuz clitoridiano, resultados de traumatismos de natureza corte ou contundente,
não foi considerado ofensa corporal grave.
Noutro caso, a ablação da metade inferior de ambos os pequenos lábios, resultante também de
traumatismo de natureza corte ou contundente, não foi entendido pela perita do Instituto de Medicina Legal
como tendo afetado a fruição sexual da menor.
É este o estado da arte em Portugal e é por isso que, hoje, o PSD avança com a proposta de incriminação
autónoma da mutilação genital feminina.
Aplausos do PSD, do CDS-PP e do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elza Pais.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: A mutilação genital feminina é, de facto,
como já aqui foi dito, uma grave violação dos direitos humanos e provoca danos absolutamente irreparáveis,
não só a curto, mas também a longo prazo, ao nível da saúde psicológica, sexual e física das mulheres, das
crianças e das raparigas e, em alguns casos, chega mesmo a provocar a morte.
Saudamos, por isso, a oportunidade destes três diplomas para discutir neste Parlamento um fenómeno
muito grave que atinge milhões de mulheres, raparigas e crianças em todo o mundo.
Portugal orientou-se por princípios consignados na Declaração Conjunta de 10 organismos das Nações
Unidas para aprovar, em 2009, o I Programa para a Eliminação da Mutilação Genital Feminina, a que se
seguiram mais dois programas, o último recentemente aprovado por este Executivo, onde se tem inscrito o
compromisso político para com a prevenção e combate a esta prática nefasta.
Somos considerados, internacionalmente, pelo Instituto Europeu da Igualdade de Género (IEGE), um
modelo de boas práticas por articularmos de forma muito estruturada as intervenções ao nível da saúde, ao
nível da educação, ao nível da justiça e ao nível da cooperação.
Promover uma política de «tolerância zero» para com a mutilação genital feminina tem sido o caminho
seguido, que passa pela condenação e punição destes atos, mas também pela promoção de uma educação
empoderada para as mulheres e pelo reforço do diálogo intercultural e de cooperação como estratégia
fundamental.
Na revisão do Código Penal de 2007, a prática da mutilação genital feminina como constituindo uma
violação do bem jurídico da integridade física foi prevista e punida, tendo-se acrescentado, ainda, que a
punição desses atos tem aplicabilidade a factos praticados fora do território português.
Por isso, consideramos que, pese embora toda a consideração e apreço pelas propostas hoje em
discussão, o nosso ordenamento jurídico já prevê, desde 2007, a punição desses atos. É uma boa solução,
não nos parecendo relevante a sua autonomização para tornar esse combate mais eficaz.
Mais: a autonomização e a especificação como proposto poderá implicar a perda de abrangência do
próprio conceito,…
A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Não é verdade!
A Sr.ª Elza Pais (PS): — … como nos parece ser o caso das propostas do Bloco de Esquerda e do PSD
quando referem apenas as mulheres e não as raparigas e as crianças, por esquecimento, seguramente, como
as vítimas desta prática nefasta.