27 DE FEVEREIRO DE 2014
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A Sr.ª Teresa Anjinho (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Hoje, tal como em 2004, o
CDS propõe a tipificação autónoma do crime de mutilação genital feminina. Hoje, ao contrário de 2004, o CDS
não está sozinho. E bem, Sr.ª Deputada Cecília Honório, depois de 10 anos.
É inegável que vivemos num mundo pluralista, onde as regras variam de lugar para lugar e onde as
tradições culturais atestam a sobrevivência de valores que nem sempre gozam de uma observância ou
concordância generalizada. Todavia, também é inegável que esta posição coloca seriamente em causa a
eficácia de um sistema cujo principal objetivo é a construção de uma nova ordem, incompatível com violações
graves dos direitos da pessoa humana, justificadas em nome de uma cultura que surge, neste contexto, como
uma verdadeira arma de controlo.
Perante certos exercícios culturais, como a mutilação genital feminina, o argumento da cultura cede
inevitavelmente perante a necessidade de impor o respeito universal por um conjunto de direitos humanos
mínimos capazes de conferir à ordem jurídica critérios de moralidade.
Como bem sabemos, a mutilação genital feminina é uma prática cultural de circuncisão que, como já
ouvimos, afeta muitas mulheres e jovens.
As formas através das quais se cumpre esta tradição variam muito em função da região e do país a que
pertencem, associando-se a diferentes representações. De comum têm a prática de um ritual bárbaro, que
constitui uma violação grave dos direitos das mulheres e crianças, causador de lesões irreparáveis à sua
saúde física, sexual e psicológica, chegando a provocar a morte.
No contexto abrangente da violência contra as mulheres, a MGF traduz-se, sem dúvida, numa
discriminação de género que encontra a raiz do seu fundamento nas desigualdades e assimetrias ancestrais
de poder entre homens e mulheres, onde as mulheres clara e abertamente assumem um padrão de
submissão e de silêncio.
Nas primeiras reflexões e declarações dos direitos humanos, isto era evidente: o problema não era um
problema. No entanto, quando a humanidade passou a desafiar certos paradigmas clássicos cuja falência
perante uma realidade em claro devir era evidente, a violência contra a mulher deixou de ser algo privado e
pessoal, para passar a ser entendido como um problema de ordem política e social, cuja resposta nos remete
necessariamente para a ética universalista dos direitos humanos radicada no respeito pelo valor da dignidade
da pessoa humana, incompatível com a manutenção de práticas repressoras e violentas como é a MGF.
Este é um exemplo fiel da falência da tese relativista perante o universalismo dos direitos humanos.
É neste contexto — no pleno reconhecimento do valor da dignidade da pessoa humana — que a
circuncisão feminina é considerada hoje, esmagadoramente, pela comunidade internacional uma prática
violadora dos direitos humanos das mulheres e das crianças, consagrada e reconhecida como tal em inúmeros
instrumentos internacionais, não vinculativos e vinculativos, saliento, para o efeito, a Convenção de Istambul,
recentemente ratificada por Portugal.
É neste contexto que a MGF tem vindo a ser objeto de um conjunto muito importante de políticas públicas
nacionais, salientando, desde logo, a adoção de três planos nacionais de combate a esta realidade, com o
reforço das linhas da prevenção, da formação e da intervenção, em parceria com as comunidades de risco,
juntamente com as associações de emigrantes.
É neste contexto que, hoje, o CDS, tal como em 2004 — então isoladamente —, assume abertamente o
seu compromisso e volta a apresentar nesta Casa a tipificação autónoma do crime de mutilação genital
feminina.
Há duas ideias chave a ter em conta: o efeito da prevenção geral (positiva e negativa), por um lado, e, por
outro, a necessidade de tutela penal.
Reconhecemos que o direito penal constitui o último rácio da política social, reconhecemos que a sua
intervenção é de natureza subsidiária, não se devendo tipificar todo e qualquer tipo de crime, em prejuízo de a
atividade se tornar prolixa.
Dito isto, pode argumentar-se (como, certamente, iremos ouvir hoje, mas espero que não) que a iniciativa é
desnecessária, dizendo que os tipos de crime de que dispomos — essencial e globalmente, ofensa à
integridade física agravada ou qualificada — serão suficientes.
Agora, com o devido respeito, pode argumentar-se, mas não deve nem defender-se nem tão-pouco
acompanhar.