I SÉRIE — NÚMERO 75
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suspeitas que muitas vezes se lançam de que há uma subversão desse princípio constitucional e de que é o
poder político que está a subordinar-se ao poder económico.
Sr.as
e Srs. Deputados, as desculpas que, ao longo de anos, têm sido utilizadas para impedir a aprovação
destas propostas são as desculpas que dão cobertura a essas situações obscuras, são as desculpas que dão
cobertura a essas situações de promiscuidade entre interesses económicos e o poder político. Esperamos que
hoje não se repitam e que não venham também justificar a oposição ao projeto de lei do PCP com o discurso
da profissionalização da política, porque não é isso que se propõe.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando
Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: As iniciativas legislativas agora
em discussão, apresentadas pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, não surgem no melhor momento nem
constituem o melhor pretexto para se começar a discutir de forma séria, sólida e intensa a reforma do nosso
sistema político. Não é o melhor momento porque estamos em período eleitoral; não constituem o melhor
pretexto porque só cuidam de uma árvore, dando como adquirido que a floresta está saudável.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Perto que estamos da celebração de 40 anos sobre o 25 de Abril e
tendo em conta os notáveis progressos levados a cabo, tem de nos ficar, necessariamente, um «amargo de
boca» no que diz respeito ao facto de a relação entre o povo português e o sistema político que o governa ser
cada vez mais distante, havendo mesmo um desfasamento entre o sistema político e os cidadãos. E é esta a
floresta que, antes do tudo o mais, temos a obrigação de cuidar.
Vejamos um caminho — fazê-lo em simultâneo, através da procura de soluções na justiça como o garante
que é do cumprimento da lei, bem como através de alterações ao sistema político como o instrumento que é
do cumprimento da democracia.
O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sobre a justiça, ao longo das últimas décadas não se cuidou o
suficiente da justiça, nem a justiça cuidou o suficiente de si própria.
A justiça, como prioridade política, foi quase sempre esquecida, e, como consequência, o autogoverno da
justiça teve quase sempre como orientação um conjunto de regras e procedimentos pouco permeáveis às
profundas mudanças que foram ocorrendo ao longo das últimas décadas.
Neste quadro de uma justiça com falta de atenção, meios insuficientes e sem capacidade de afirmação,
cresceram as oportunidades para a corrupção, os favorecimentos e os tráficos de influência, que, obviamente,
foram bastas vezes criminalmente aproveitados e, lamentavelmente, muitas vezes com efetivo ou aparente
sucesso, perante a passividade e até a desorientação dos responsáveis a quem devia cumprir tornar mais
eficaz e mais justa a resposta da lei.
Por isso, hoje a corrupção e, pior ainda, a sua perceção, são uma realidade que mina a relação entre o
cidadão e o seu sistema político.
Sobre o sistema político, é ainda, na dita floresta, que temos de encontrar melhor solução para a
arrogância ou o arbítrio no funcionamento do Estado, nomeadamente através da criação de contrapeso
político por parte de quem tenha como missão agir em nome dos cidadãos.
É urgente encontrar uma relação mais adequada entre votos e assentos parlamentares e, dentro deste, dar
melhor solução à questão da representação e do papel dos representantes eleitos.
E a pergunta que fica é a seguinte: o limite da representação do Deputado é a defesa de uma ideologia? É
a defesa exclusiva de uma ideologia? Ou deverá ir para além disto, devendo funcionar como intermediário ou
mesmo defensor dos cidadãos, constituindo-se como os seus representantes perante o Estado?