I SÉRIE — NÚMERO 93
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Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: O caos está instalado
no pagamento dos salários e subsídios dos funcionários públicos.
O Governo, que se confunde quando lê a Constituição, criou a confusão para aplicar a decisão do Tribunal
Constitucional. Por este andar, a folha salarial dos funcionários públicos assemelha-se a um bilhete de lotaria,
onde poderão ser alvo de cortes ou não, receber o que é devido ou ficar em dívida, tudo por causa de um
Governo que tem políticas de mau pagador para com quem trabalha.
O Tribunal Constitucional decidiu que os cortes nos salários dos funcionários públicos, a redução de
pensões de sobrevivência e os cortes nos subsídios de desemprego e de doença são inconstitucionais e
devem ser repostos.
O Governo foi chumbado em grande estilo: com esta decisão, Portugal ganha a todos os países
intervencionados pela troica no número de medidas inconstitucionais.
A reincidência do Governo é notável: em todos os Orçamentos do Estado elaborados pela maioria
PSD/CDS existiram medidas de austeridade chumbadas pelo Tribunal Constitucional. E, mesmo com este
percurso, teima em insistir no erro. A obstinação deste Governo já não é defeito, é fanatismo, insistindo na
mesma receita de juntar austeridade à austeridade já declarada inconstitucional.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — A decisão do Tribunal Constitucional foi tão clara que todos os portugueses
perceberam as suas consequências: a reposição deverá ser feita para os valores praticados em 2010 a partir
da data da leitura da sentença, ou seja, 30 de maio de 2014.
E são tantos que não têm dúvidas: muitas autarquias já declararam que irão pagar salários e subsídios de
férias — Caminha, Portimão, Sintra, Lisboa, Viana do Castelo, Seixal, Loures, Setúbal, Palmela, Grândola,
Barreiro, Moita, Ferreira do Alentejo, Montemor-o-Novo, Portalegre, Avis, Barcelos, Leiria, e tantas outras, bem
como diversos organismos públicos e empresas públicas.
É a realidade a retirar o tapete à teimosia do Governo e a mostrar que só não compreende quem não quer
compreender. O resultado é a criação do reino da desigualdade na Administração Pública e o Governo é o
responsável por esta situação.
Logo após ter sido tornada pública a decisão do Tribunal Constitucional, o Governo veio refugiar-se em
argumentos técnicos para fugir às suas responsabilidades e tira da cartola um pedido de «aclaração» da
decisão tomada — atitude inédita. Mas não é para aclarar, é para confundir e ganhar tempo.
Enquanto o Governo tenta distrair o País com esta encenação, o verdadeiro pedido de aclaração foi feito à
troica. O Governo terá enviado uma carta à troica a pedir o adiamento da conclusão final do programa. Os
relógios terão parado para prolongar no tempo este momento, o momento da austeridade. E é exatamente
isso que está a ser preparado.
Verdadeiramente, a aclaração que se pretende é a da troica e do FMI.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Bem lembrado!
A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Até não é de estranhar, porque essa foi a prática ao longo dos últimos
anos. O Governo não se preocupa em cumprir a Constituição, o que não quer é falhar aos mercados. O
Memorando da troica, agora politicamente transformado no tratado orçamental, foi e será a única Constituição
que o Governo reconhece e quer seguir.
Ficou claro: a direita abriu guerra ao Tribunal Constitucional não por esta decisão, mas porque cada vez
mais está em guerra com a Constituição da República Portuguesa e contra os direitos por ela defendidos.
O que sabemos é que o Governo não se compromete com o calendário para a reposição dos cortes e está
tão só a tentar ganhar tempo para não cumprir as decisões do Tribunal Constitucional.
A sanha do Governo continua. É ele próprio quem o reconhece, admitindo mais inconstitucionalidades nos
novos cortes que tem na manga.