20 DE MARÇO DE 2015
37
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Talvez compreendam
esta afirmação que, legitimamente, posso fazer, a de que o setor privado ambiciona deter o setor da água.
Estamos a falar de um setor tão imprescindível à vida e tão ligado ao desenvolvimento que quem o detiver
gera um vastíssimo poder de diversas dimensões: social, ambiental, económico, de gestão territorial, e por aí
fora.
Ocorre que este setor privado tem encontrado um poder político materializado em governos, sejam do
PSD, do CDS ou do PS, que, fundamentalmente, desde a década de 90 do século XX tem feito, gradualmente,
uma construção legislativa que tem aberto completamente a porta à possibilidade de o setor privado entrar no
setor da água, o que, na nossa perspetiva, é profundamente preocupante.
Mas detenhamo-nos nesta Legislatura.
Este Governo começou por gaguejar — talvez seja o melhor termo — relativamente à matéria da
privatização da água.
Na altura, também com a pasta do Ambiente, a Sr.ª Ministra Assunção Cristas tanto dizia que era contra a
privatização da Águas de Portugal, como dizia que era uma hipótese que, eventualmente, se colocaria.
Depois, na ânsia daquela lógica da austeridade medonha e a todo o vapor, o Sr. Ministro Vítor Gaspar,
então titular da pasta das Finanças, afirmou, numa daquelas famosas avaliações da troica e lá no meio de um
grande discurso, que a intenção do Governo era mesmo a de privatizar a Águas de Portugal.
Bom, gerou-se uma enormíssima preocupação no País relativamente a este anúncio camuflado.
Entretanto, vem o Sr. Ministro Moreira da Silva, atual titular da pasta do Ambiente, dizer que não há
privatização da Águas de Portugal. Contudo, se as Sr.as
e os Srs. Deputados atenderem bem ao discurso do
Sr. Ministro, vão reparar sempre que ele tem o cuidado de dizer que, com este Governo, não haverá
privatização, ou seja, nesta Legislatura, com este Governo!
Sr.as
e Srs. Deputados, isto não deixa margem de segurança para o futuro.
Para além disso, este Governo fez uma reestruturação do setor da água que funde sistemas, que aumenta
o preço da água para a generalidade dos consumidores, que retira uma dimensão interventiva às autarquias,
enfim, é um caminho em tudo compatível com a lógica da entrada em massa do setor privado no setor da
água.
Na última reunião da Comissão de Ambiente em que se debateu esta questão, Os Verdes fizeram o
seguinte desafio ao Sr. Ministro: se diz que não há privatização do setor da água, vamos estipular, antes do
final da Legislatura, isso mesmo na legislação nacional.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente Miranda Calha.
Sr. Presidente, é exatamente essa a proposta que Os Verdes trazem, hoje, ao Parlamento: estipular, na
legislação nacional, o princípio da não privatização da água.
O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Para apresentar o projeto de lei do PCP, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP traz, hoje, à discussão um projeto
de lei que veda o acesso às entidades privadas de prestação de serviços públicos de abastecimento de água,
de saneamento e de águas residuais e de resíduos sólidos urbanos.
Entendemos que estes serviços públicos são essenciais e que só a gestão pública garante a sua qualidade
e acessibilidade a custos baixos, assim como os direitos dos trabalhadores.
Desde 1993, os sucessivos Governos PS, PSD e CDS-PP foram aprovando uma malha de leis para
permitir uma maior participação de entidades privadas na gestão de serviços públicos de águas e de resíduos
sólidos urbanos.
O atual Governo, aliás, como era expectável, dadas as suas opções políticas e ideológicas, foi ainda mais
longe: em relação aos resíduos, o Governo optou, sem qualquer justificação plausível, pela sua privatização; já
quanto ao setor das águas, a opção passa, agora, pela criação de megaestruturas para alcançar o mesmo
resultado, isto é, está a criar as condições para tornar a água um negócio dos privados, entregando-lhes a
gestão dos sistemas sem risco e bastante lucrativo.