29 DE MAIO DE 2015
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contrário, a precariedade é uma escolha política com um objetivo claro: baixar salários e desarticular as formas
de proteção e de solidariedade que os trabalhadores construíram ao longo de décadas.
Se não, como se explica que a maior parte dos vínculos precários em Portugal correspondam a funções
permanentes? Aliás, que a maior parte dos vínculos precários sejam até transgressões à lei, em relação às
quais o Governo fecha os olhos escandalosamente? O trabalhador temporário que está no call center, a
funcionária da escola que está com contrato emprego-inserção, o professor a recibo verde, o estagiário numa
caixa de supermercado, ocupam necessidades permanentes. Na maior parte dos casos, não são as tarefas
que fazem que são temporárias, é o vínculo e é o contrato.
Nos últimos quatro anos, as políticas promovidas pelo Governo, políticas recessivas, não aumentaram
apenas o desemprego, tornaram também os desempregados mais desprotegidos e continuaram a tratá-los
como delinquentes que têm de se apresentar de 15 em 15 dias numa junta.
Mas além do desemprego, o que aconteceu foi uma verdadeira degradação do trabalho.
Exemplos que constam do site do IEFP: um operário em Mangualde, a trabalhar para uma ETT (empresa
de trabalho temporário) que o aluga para que ele esteja, na verdade, a trabalhar para uma empresa de
componentes de automóveis, e ganha 372,48 € de salário mensal, o que, com os subsídios, perfaz 491 €; um
engenheiro de construção de edifícios, a trabalhar oito horas por dia, com salário base de 300 € por mês; um
professor do ensino básico, do 2.º e 3.º ciclo, oito horas por dia, com salário base de 505 € por mês.
Este é o estado do mercado de trabalho hoje. É uma vergonha e não dá para viver.
A média salarial dos empregos criados desde 2013 é de 581 € brutos por mês. Ou seja, descontadas as
contribuições, fica pouco mais de 500 € de salário médio. Para quem entra hoje no mercado de trabalho, tenha
licenciatura ou mestrado, o salário mínimo é o que o espera. Nunca os salários em Portugal foram tão baixos.
Sr. Ministro, o modelo de emprego que o senhor tem criado assenta na pobreza. Mais de 10% dos
trabalhadores portugueses são pobres e entre os precários são 25% os que estão abaixo do limiar de pobreza.
Perante isto, o Sr. Primeiro-Ministro veio dizer que «o custo do trabalho para as empresas ainda é muito
elevado» e que baixar o custo do trabalho «é a reforma que não conseguimos completar».
Vejam-se os anúncios de emprego. Olhemos à nossa volta. O trabalho, hoje, não permite escapar à
pobreza.
Mas olhemos também para os dados do Eurostat. O custo/hora do trabalho em Portugal é metade do
praticado no país aqui ao lado e menos de metade da média da zona euro. Mas o Governo acha que é preciso
baixar ainda mais. Até quanto, Sr. Ministro? Quando é que vão ficar satisfeitos, Srs. Deputados da maioria?
A precariedade não é uma fatalidade da economia, é uma escolha política, e em Portugal alastrou-se, em
primeiro lugar, por via da transgressão da lei. A lei é violada diariamente mas não acontece nada: quase 700
000 falsos recibos verdes que deveriam ter contrato e não acontece nada; mais de 300 000 trabalhadores
temporários, a maioria dos quais falsa e deveria ter contrato na empresa onde trabalha.
Ou seja, é de uma escolha que se trata. O Governo estimula a precariedade, fecha os olhos e não dá
meios a quem pode garantir o cumprimento da lei.
Aplausos do BE.
Os relatórios da Autoridade para as Condições de Trabalho são claros: os pedidos de intervenção
aumentaram em 30% mas as visitas inspetivas reduziram-se para menos de metade. Em 2011, tinham sido
visitados pela ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) 74 600 estabelecimentos; em quatro anos, o
número desceu abaixo dos 30 000.
O Portugal precário é um enorme offshore laboral em que a lei não é cumprida, em que é mais fácil fechar
um café por ter um balcão de madeira do que por ter um trabalhador sem contrato.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — O Governo fecha os olhos, não dá meios à ACT e não contrata
inspetores. O Portugal precário é o país da impunidade laboral.