I SÉRIE — NÚMERO 92
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A segunda característica do Portugal precário é que o Estado continua a ser o maior empregador de
precários, diretamente responsável por cerca de 160 000 empregos precários, entre recibos verdes, avenças,
contratos emprego-inserção ou estágios. O Governo dá o exemplo, o pior possível.
Nos últimos anos tem sido sempre a piorar. As chamadas políticas ativas de emprego conduzem
ativamente à desvalorização salarial. Quem é que contrata um engenheiro florestal, por exemplo, quando há
estágios de 600 €, dos quais mais de 400 € são pagos pelo Instituto do Emprego? É a própria definição de
emprego que está a ser posta em causa. A ideia de que à prestação de um trabalho corresponde um contrato
e uma remuneração, para esta maioria de direita é uma ideia própria do canal Memória.
Exemplos: os contratos de emprego-inserção, relativamente aos quais o Provedor de Justiça, aliás, já veio
chamar a atenção, condenando-os e dizendo que são um abuso.
Mas na segurança social, no Serviço Nacional de Saúde, a atender nos museus, por todo o lado, há gente
que trabalha no Estado sem receber um salário. Em 2014, houve 75 403 pessoas nestas condições.
Outro exemplo: os estágios. Hoje, os empregos que existem são contratos de emprego-inserção para os
mais velhos e estágios para os mais novos.
Exemplos de estágios: «Rececionista com perfil de gestor para clínica médica. Elevadas capacidades de
gestão, elevados conhecimentos informáticos, capacidade de marcar e desmarcar consultas com alguma
destreza, gosto por estratégia, forte valência de relacionamento interpessoal. Full time. Estágio IEFP»;
«Funcionária de limpezas, com viatura própria. Full time. Bolsa de estágio do IEFP»; «Engenheiro
eletrotécnico com disponibilidade imediata para projetos de telecomunicações. Full time. Bolsa de estágio».
Na Faurécia, empresa de componentes de automóveis, estão a recrutar estagiários para tudo: supervisor
de produção, qualidade de produção e cliente, técnico de laboratório, técnico de manutenção, supervisor de
logística, aprovisionador. É tudo estágios!
Os estágios, que foram criados para serem um primeiro contacto com o mundo do trabalho, para serem um
trampolim para um emprego, hoje, são um alçapão para a precariedade.
E não vale a pena, Sr. Ministro, voltar com a lengalenga de que 7 em cada 10 estagiários ficam
empregados. São 3 em cada 10, como dizem os números oficiais. Um ano depois, os tais sete estão a
trabalhar, mas nada nos diz que é na mesma empresa, nem nada nos diz que não é num novo estágio. Os
senhores transformaram o País numa economia de estágios.
Hoje, tudo são estágios, e os estágios não servem para criar emprego, são um esquema para dar um
subsídio às empresas. Uma empresa que possa pagar 300 €, com o Estado a pagar o resto, claro que isso
compensa! O efeito dos estágios é o de baixar o valor dos salários e a maioria dos estagiários, com bolsas de
nove meses, nem fica na empresa depois nem sequer tem direito ao subsídio de desemprego.
Chamar a isto uma política de emprego é uma anedota. Assim, Sr. Ministro, não se faz um país, fazem-se
emigrantes. Um exército de emigrantes.
No passado domingo, o Estado espanhol viveu um terramoto político. Nas eleições, os precários e os
desempregados bateram o pé e o sistema tremeu.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Em Barcelona, Ada Colau ganhou as eleições e as primeiras medidas são conhecidas: regularização de
todos os precários e acabar com o outsourcing; exigência a todas as empresas com quem a Câmara de
Barcelona tem uma relação de uma garantia de que não têm trabalhadores precários.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Não nos digam que coisas básicas como estas são impossíveis. Impossível é viver num país que nos quer
escravos e que nos trata como descartáveis.
Não há varinhas mágicas? Certamente que não. Mas, se é preciso criar emprego, ponham a economia a
criar emprego, em vez de prestarem vassalagem à austeridade; suba-se o salário mínimo, como era
compromisso da concertação social; limitem-se as empresas de trabalho temporário, que fazem negócio de
alugar trabalhadores.
Se têm respeito pela lei, contratem inspetores para a ACT e faça-se cumprir a lei.