30 DE MAIO DE 2015
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Há um arco jurídico de combate à corrupção e ao enriquecimento sem causa, que é deficitário, que está
limitado, que precisa de ser completado. E uma lei contra o enriquecimento injustificado é absolutamente
necessária para debelar esse tumor no regime democrático, sem o qual, a par de outras razões, a democracia
vai deslizando para a oligarquia, que é isso que é incompatível com a essência da Constituição da República.
No caso em apreço, o Bloco de Esquerda, com outra organização sistémica, procurando alterações à Lei
dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, apresenta aqui,
por avocação, três artigos na especialidade, que permitiriam tão singelamente alterar as condições e garantir,
no limite, pena privativa de liberdade para quem omite declarações sobre rendimentos, para quem faz
declarações de rendimentos incorrendo em falsidade nessas declarações, considerando a perda de bens a
favor do Estado na totalidade nestas circunstâncias e, também, uma pena acessória de inibição do exercício
de funções quer para altos titulares de cargos públicos quer para titulares de cargos políticos.
Sr.as
e Srs. Deputados, nós protegemos um bem jurídico: o dever de especial transparência dos agentes do
Estado. Esse é um repto que vai ficar em aberto depois desta oportunidade perdida. Há aqui um marcar
passo. Mas, sobretudo para os cidadãos e cidadãs, vão apontar o dedo e vão dizer que este regime não tem
concerto e não se repara e, portanto, é preciso fazer alguma coisa em relação a aspetos essenciais de um
regime democrático que está doente.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Sobre a mesma matéria, foi ainda apresentado, pelo PCP, um
requerimento de avocação pelo Plenário da discussão e votação, na especialidade, dos artigos 1.º e 2.º do
texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo
ao projeto de lei n.º 798/XII (4.ª) — Enriquecimento injustificado (PSD e CDS-PP), apresentando, em sua
substituição propostas de artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º.
Para apresentar o requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, dispondo também de 2
minutos para o efeito.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a maioria PSD/CDS transformou este
processo legislativo que visava criminalizar o enriquecimento injustificado num verdadeiro embuste.
O Sr. Hugo Lopes Soares (PSD): — O quê?
O Sr. António Filipe (PCP): — Um verdadeiro embuste, porque o PSD, particularmente, sempre afirmou a
sua determinação em ultrapassar os problemas de inconstitucionalidade suscitados pelo Tribunal
Constitucional no último processo legislativo e afirmou a sua disponibilidade para se abrir ao diálogo, para
consensualizar soluções que pudessem, naturalmente, vir a ser aprovadas.
Verificámos, no final, que o único esforço de consensualização que o PSD fez foi com o CDS, e por aí
ficou. Não aceitou nem mais uma vírgula que tenha sido proposta por qualquer outro grupo parlamentar. Ou
seja, foram feitas audições, foram apresentadas as objeções de constitucionalidade ao projeto de lei
apresentado pela maioria, mas a maioria prefere insistir na manutenção de disposições que são
inequivocamente inconstitucionais à luz do acórdão do Tribunal Constitucional sobre esta mesma matéria.
Portanto, os cidadãos dirão que, afinal, os senhores estiveram na Assembleia da República a fingir que
queriam criminalizar o enriquecimento injustificado. Ao aprovarem um texto que sabiam perfeitamente que não
ia passar no crivo de constitucionalidade, os senhores estão a fingir, os senhores estão a fazer um embuste
legislativo. E quando os cidadãos os acusarem disso nós não podemos retirar-lhes razão, porque os senhores
foram avisados por todas as bancadas da oposição relativamente aos problemas do texto que se preparavam
para aprovar. E insistem nessa aprovação!
Onde o Tribunal Constitucional diz que era necessário definir com precisão qual é o bem jurídico a
defender, os senhores fazem aprovar uma ladainha que não é bem jurídico nenhum e não tem nenhuma
capacidade para definir concretamente um bem jurídico.
O Sr. Presidente (Miranda Calha): — Queira terminar, Sr. Deputado.