4 DE JULHO DE 2015
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A mensagem do Governo, construída, ensaiada e praticada até à exaustão, foi repetida de forma
sistemática até se transformar num ideário político dogmático, cuja autenticidade deixou de ser questionada
pelos mais desatentos. Essa mensagem foi, de resto, bem assimilada por algumas faixas da população
portuguesa, mais recetivas a um discurso formatado na culpa, na expiação, na autoridade e numa certa ideia
de moral penalizadora.
Deste pacote de ideias-chave sobre o qual assentou toda a mensagem discursiva do Governo as principais
foram: que o Governo anterior chamou a troica, por ter levado o País ao endividamento excessivo; que o
Governo de Passos Coelho/Paulo Portas herdou, em 2011, um país na bancarrota; que este Governo foi
obrigado a aplicar o Memorando de Entendimento negociado pelo Governo anterior, daí as medidas
recessivas para os portugueses; que o sofrimento dos portugueses neste período, tem origem nos Governos
anteriores; e que, apesar de ter sido mal desenhado — como desculpa para as falhas — o programa da troica
acabou por ser um sucesso, Portugal é agora um sucesso no quadro europeu e, a partir de agora, espera-nos
crescimento sustentado nos anos vindouros.
Estas cinco ideias-chave, estes dogmas, têm sido a única defesa do Governo perante o sofrimento dos
portugueses — de resto, ainda hoje ouvimo-la aqui pela voz do meu amigo Joaquim Ponte — e, como dogmas
que são, só podem ser combatidos com lógica e a lógica assenta em factos e números.
Então, vejamos: em abril de 2011, o Eurostat e o INE divulgaram os dados oficiais revistos sobre a dívida
pública de 2010 — 93% do PIB. Em clina de grande agitação, os mercados fecharam-se a Portugal e o
Parlamento português chumbou um mecanismo de financiamento internacional alternativo à troica.
Portugal, com um Governo de gestão, sem acesso aos mercados, foi obrigado a chamar a troica, sob
aplauso geral da direita, que viu, finalmente, a oportunidade para ascender ao poder e aplicar a agenda
política que sempre ambicionou. Tudo isto, não esqueçamos, com a preciosa ajuda da esquerda mais à
esquerda deste Parlamento.
Passados quatro anos e um processo de ajustamento económico considerado de sucesso, a dívida pública
é hoje de 129% do PIB, tendo aumentado mais de 35 pontos percentuais com este Governo.
E, reparem: em 2015, a média da dívida pública na zona euro é, imagine-se, 93%! Após três anos de
políticas de austeridade, o melhor que se conseguiu na Europa, foi uma média nas dívidas públicas de valor
igual à que Portugal tinha quando os mercados se lhe fecharam em 2011.
Julgo que quanto à bancarrota, como fundamento para o pedido de ajuda externa, estamos esclarecidos.
Aplausos do PS.
Querer persistir neste chavão, faz-me lembrar o Sermão de Santo António aos Peixes de Padre António
Vieira,peça de leitura indispensável para qualquer político, que não me atrevo a recomendar porque parto do
princípio de que todos aqui o conhecem.
Excluir da história destes anos de chumbo, o contexto internacional e a impreparação das instituições
europeias em 2010 e 2011 perante a crise das dívidas soberanas, é reduzir o pensamento político ao grau
mínimo.
Desde então, e especialmente desde que o BCE, em 2012, e a Comissão Europeia, mais recentemente,
mudaram de lideranças, outros caminhos se foram abrindo. Felizmente para Portugal, o Governo de Passos
Coelho pôde contar com esta mudança de atitude.
Para confirmar o que acabei de dizer com factos e números, basta revisitar as declarações do BCE e as
suas consequências em toda a zona euro, desde 2012.
Quanto ao Memorando de Entendimento, este tem costas suficientemente largas para ter sido elogiado
pelo representante do PSD nas negociações, Eduardo Catroga, e por Passos Coelho, que declarou que até
iria além da troica, mas também serve de desculpa nas bancadas da direita sempre que, por causa dele, o
povo sofre, o desemprego alastra e a emigração suga o melhor dos nossos jovens.
Entre dogmas e factos, a verdade é que o Primeiro-Ministro declarou que iria além da troica, mas ficou
aquém da troica em todas as metas, exceto nas privatizações, onde excedeu, em muito, o valor de 5000
milhões previstos no memorando.
Aplausos do PS.