I SÉRIE — NÚMERO 20
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No passado dia 26 de outubro, o Ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble fez declarações acerca
da situação política portuguesa que exprimiram o seu desagrado pela mudança de política económica após a
formação do atual Governo — «Portugal foi muito bem-sucedido até ao novo Governo. Depois das eleições (…),
(o novo Governo) declarou que não iria respeitar aquilo que tinha sido acordado pelo Governo anterior. Foi neste
sentido que alertei o nosso colega português, porque lhe disse que se fosse por esse caminho iria assumir um
grande risco, e eu não assumiria tal risco», disse, citado pela imprensa portuguesa.
No âmbito da coordenação das políticas económico-financeiras da União, e em particular da zona euro, os
tratados europeus conferem aos Ministros das Finanças a tarefa de se pronunciarem sobre os objetivos e
execução da política económica dos demais Estados-membros. As instâncias apropriadas para tal discussão de
coordenação, acompanhamento e supervisão das políticas económico-financeiras dos Estados-membros são
evidentemente o ECOFIN e o Eurogrupo. Esse constituiu o funcionamento normal do diálogo e vigilância mútua
dos Estados-membros em que assenta a coordenação de políticas económicas.
Mas, fora dessas instâncias, declarações como as que foram proferidas pelo Ministro Schäuble, naquelas
circunstâncias — conduta em que ele foi reincidente —, não se coadunam com o exercício do seu cargo. Nessa
qualidade não lhe cabe pronunciar-se naqueles termos sobre a política interna dos outros Estados-membros, tal
como seria desapropriado o Ministro das Finanças de um governo português fazer considerações equivalentes
sobre a situação política interna da Alemanha ou de outro país Estado-membro da União Europeia. Fora do
âmbito próprio, declarações deste género são reprováveis. Apenas contribuem para agravar desentendimentos;
para cavar clivagens; e em nada ajudam a clarificar o diálogo nem a reforçar as relações de confiança. De resto,
o Governo português deve fazer uso das vias diplomáticas para dar eco a este protesto.
É precisamente em nome da consolidação das relações de confiança entre todos os parceiros europeus que
declarações deste género, e no âmbito em que foram proferidas, são condenáveis. E essa condenação vale
para qualquer membro do Governo, de qualquer Estado-membro, que se pronuncie nestes termos sobre a
situação política interna de um Estado-membro seu parceiro.
Assim, a Assembleia da República, reunida em Plenário, condena as declarações do Ministro Wolfgang
Schäuble sobre Portugal.
O Sr. Presidente: — Vamos, agora, votar o voto n.º 153/XIII (2.ª) — De repúdio pelas declarações públicas
do Ministro das Finanças alemão sobre Portugal (CDS-PP).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP e do PAN e abstenções
do BE, do PCP, de Os Verdes e do Deputado do PS Sérgio Sousa Pinto.
É o seguinte:
A União Europeia construiu a sua prosperidade assente num espaço de liberdade, justiça e paz e num modelo
político de tolerância, baseada num conjunto de valores e princípios partilhados por todos os seus povos. Hoje,
Portugal e a Alemanha são países amigos e aliados neste projeto de integração europeia. As nossas relações
bilaterais assumem, no quadro comunitário, redobrada importância.
Mais, o bom entendimento entre os nossos dois países, a que acresce a circunstância de viverem mais de
100 000 portugueses na Alemanha, não se compadece com juízos ou advertências que contendam com os
princípios de respeito mútuo e não-ingerência nos assuntos internos dos Estados, por representantes de países
amigos.
É a esta luz que as declarações públicas do Ministro alemão são incompreensíveis, porque elas podem
significar um desrespeito pelo povo português e pelos seus esforços, bem como porque podem induzir uma
desconfiança e fratura que minam o relacionamento bilateral e multilateral entre os dois países.
A forma apropriada de expressar opiniões ou críticas faz-se nas sedes próprias. E o espaço público não
deve, em momento algum, sobrepor-se aos contactos institucionais entre governos. Inverter essa prática de
diálogo e concertação perturba a própria essência da nossa União.
Portugal e a Alemanha partilham historicamente fortes laços de amizade sincera e mútua estima mas também
um espaço comum de integração europeia. E o respeito institucional e político que a Alemanha nos merece