11 DE MARÇO DE 2017
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2.4.1 — Consta da alínea a) do n.º 4 do artigo 23.º do texto de substituição que a denominação, enquanto
elemento de identificação do grupo de cidadãos, deve cumprir o requisito de não se basear «(…) exclusivamente
em nome de pessoa singular (…)»2.
A boa interpretação deste requisito normativo está decisivamente prejudicada por algumas obscuridades não
resolvidas. Num esforço de destrinça do seu sentido literal sistematicamente considerado, o extrato da referida
norma parece conter semelhanças com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei dos Partidos Políticos.3 Na
verdade, essa norma legal dispõe que «(…) a denominação…», de um partido político, «… não pode basear-se
no nome de uma pessoa (…)»4.
Deste modo, a diferença literal dos dois textos normativos reside na palavra «exclusivamente», sendo que
esta expressão verbal muda por completo o sentido lógico da interpretação da norma contida no texto de
substituição.
Se o grupo de cidadãos que pretende apresentar-se a sufrágio nas eleições autárquicas não se poder
identificar através de uma denominação que contenha um nome de pessoa em exclusivo, numa simples
significação a contrario, esse mesmo grupo de cidadãos estará habilitado a usar como sua denominação e
requisito de identificação perante os eleitores o nome de uma pessoa, desde que este esteja acompanhado de
outra qualquer expressão verbal.
Ou seja, se por hipótese, meramente demonstrativa, um grupo de cidadãos pretendesse identificar-se pela
denominação «José Sócrates», tal conjetura estaria vedada. Contudo, se esse mesmo movimento optasse por
se denominar «José Sócrates Sempre», a norma proposta no texto de substituição tornaria essa identificação
legalmente possível.
Em suma, sob a aparência de uma proibição de utilização do nome de uma pessoa na denominação de um
grupo de cidadãos, aquilo que a norma sub judice está a consagrar é uma verdadeira permissão para que estes
movimentos se possam candidatar a eleições autárquicas, empregando na sua denominação o nome de
pessoas singulares.
No direito eleitoral português este tipo de situações tem conhecido soluções distintas na jurisprudência
eleitoral, assim como na doutrina que se tem debruçado acerca desta questão. A solução mais adequada
reconduz-se a um exercício de analogia com o regime jurídico dos partidos políticos, designadamente o já citado
artigo 12.º, n.º 2, da Lei dos Partidos Políticos, que proíbe, clara e inequivocamente, a denominação dos grupos
de cidadãos através de nomes de pessoas, perfazendo um juízo de igualdade entre as candidaturas aos órgãos
das autarquias locais. Ainda assim, bem o sabemos, algumas candidaturas de grupos de cidadãos têm
conseguido superar esse suposto crivo da jurisprudência, mais por distração do que por convicção dos tribunais,
estamos em crer. Porém, no caso de este texto de substituição entrar em vigor estaremos perante uma
desigualdade eleitoral de raiz estabelecida na lei, o que se nos afigura como constitucionalmente insustentável.
Não valerá a pena o esforço de fundamentar excessivamente, dada a obviedade da questão, que as
denominações de candidaturas baseadas em nomes de pessoas singulares estarão sempre num evidente plano
de vantagem eleitoral em sufrágios locais por estes serem, como o são, manifestamente personalizados. Em
eleições locais, seja no âmbito de municípios ou de freguesias, vota-se essencialmente nas pessoas, nos rostos
que protagonizam as candidaturas e não tanto nos programas, nas ideias e, até, nas propostas políticas.
Permitir por via legal que os grupos de cidadãos tenham o benefício de se candidatarem com a denominação
baseada no nome de uma pessoa singular, quando essa vantagem está expressamente vedada às candidaturas
dos partidos políticos, constitui uma ofensa insanável ao princípio da igualdade — suporte inafastável de
qualquer lógica de um direito eleitoral que se quer democrático, justo e imparcial.
Para além do mais, no nosso plano constitucional os partidos políticos são a base do nosso sistema
democrático e pluralista. Ao proporcionar uma preeminência eleitoral como a que foi acima descrita, o texto de
substituição coloca-se a si mesmo fora da boa tradição constitucional e democrática portuguesa menorizando o
papel dos partidos políticos face aos grupos de cidadãos. O que constitui um itinerário legal com efeitos políticos
muito perigosos e que o PSD não está disposto a trilhar.
2 O texto completo da referida norma do texto de substituição é o seguinte: «A denominação não pode conter mais de seis palavras, nem basear-se exclusivamente em nome de pessoa singular ou integrar as denominações oficiais dos partidos políticos ou das coligações com existência legal, nem conter expressões diretamente relacionadas com qualquer religião, instituição nacional ou local» (realce a bold nosso). 3 Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio. 4 O texto completo da norma citada da Lei dos Partidos Políticos é o seguinte: «A denominação não pode basear-se no nome de uma pessoa ou conter expressões diretamente relacionadas com qualquer religião ou com qualquer instituição nacional».