I SÉRIE — NÚMERO 62
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O poder legislativo — insistimos — não foi constitucionalmente desenhado para ser desencadeado ao sabor
de pedidos extrínsecos, a ritmo de toque de caixa e em modo de corte e costura legislativo capaz de proporcionar
um ato à medida dos interesses individualizados de uma dada candidatura eleitoral.
Este texto de substituição resulta de um processo político atrapalhado, precipitado e despropositado que, em
si mesmo, desconsidera fatalmente os fins que deveriam ser assumidos em qualquer revisão de uma lei eleitoral.
Caso venha a ser promulgada e a entrar em vigor, esta alteração legislativa ficará proverbialmente conhecida
pelo epíteto de «Lei Moreira» — e o PSD considera que a inegável conexão entre o cognome e a representação
política personalizada que este processo legislativo encerra não é a melhor imagem para o poder legislativo
português.
2.3 — O Grupo Parlamentar do PSD votou contra o texto de substituição também por considerar que a sua
eventual entrada em vigor está ferida de uma nociva e insanável extemporaneidade.
O processo político de preparação das eleições autárquicas é o mais complexo, participado e ampliado de
todos os atos eleitorais que se realizam em Portugal, a uma grande distância de todos os demais. Na realidade,
estamos perante 308 eleições municipais — são, mais propriamente, 308 eleições para os órgãos executivos e
mais 308 eleições para os órgãos deliberativos locais — a que se adicionam outras 3092 eleições para as
assembleias de freguesia que existem entre nós.1
Em bom rigor, as eleições para os órgãos das autarquias locais consubstanciam-se em cerca de 3708 atos
eleitorais distintos, vendo-se cada um deles perante a necessidade de organização de um processo eleitoral
próprio e com candidaturas separadas que defendem interesses diferenciados.
As dificuldades de organização de um processo eleitoral por parte dos partidos políticos e dos grupos de
cidadãos que pretendam exercer o seu direito cívico de protagonizarem candidaturas eleitorais locais é muito
acentuado, sendo que, por evidência natural, essas complexidades se adensam na situação em que se
encontram os partidos políticos com reconhecida vocação autárquica, como é o caso do PSD. Não pode deixar
de ser realçado que o PSD costuma apresentar candidaturas em todo o território nacional e na generalidade dos
órgãos autárquicos portugueses desde as primeiras eleições autárquicas, realizadas em 12 de dezembro de
1976.
A eventual entrada em vigor do texto de substituição com alterações das regras do jogo eleitoral e a
modificação de elementos essenciais de preceitos normativos que regulam a constituição das candidaturas só
poderá ocorrer perto do mês de abril, ou seja a cerca de três meses do fim do prazo determinado para a
apresentação de candidaturas, de acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Lei Eleitoral dos Órgãos das
Autarquias Locais.
Como é consabido por quem detém a específica experiência política de preparar as eleições autárquicas, em
muitos municípios e freguesias a organização do processo eleitoral e a elaboração das listas de candidaturas já
estão em pleno andamento no momento presente, com acordos políticos negociados, lugares e posições nas
listas atribuídos e publicitados localmente. A alteração das regras do jogo eleitoral numas eleições tão complexas
e com tão elevados custos de organização não se compadece com modificações essenciais realizadas em pleno
ano eleitoral, intempestivas e quase disruptivas. Pelo contrário, se quisermos um sistema democrático
transparente, as alterações de regras eleitorais carecem de um tempo de amadurecimento que permita a sua
cabal compreensão, bem como acautelar os acordos políticos já adquiridos, em vez de os solavancarem.
Uma lei eleitoral autárquica deverá sempre constituir um fator de sedimentação da democracia e nunca servir
para a desestabilizar, perturbando-a com modificações quase à boca das urnas.
A patente intempestividade e a irrefutável inoportunidade deste texto de substituição são, por si só, razões
bastantes para que o PSD não o votasse favoravelmente e o considerasse como um fator de perturbação das
candidaturas a órgãos autárquicos que já se encontram no terreno democrático. Mas ainda há muito mais.
2.4 — O texto de substituição acima identificado e que foi aprovado em Plenário apenas com os votos dos
seus subscritores padece de notórias ambiguidades e de vícios de desconformidade com princípios
constitucionais que avolumam as preocupações já existentes face à sua eventual entrada em vigor.
1 Sendo que dessas 3092 freguesias são de considerar 2882 no território do continente, 156 na Região Autónoma dos Açores e 54 na Região Autónoma da Madeira.