11 DE MARÇO DE 2017
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condicionou o processo político que conduziu ao texto de substituição já identificado, quer pelo conteúdo do
mesmo que aquilatamos como juridicamente ambíguo e constitucionalmente problemático.
2.1 — Num sistema de democracia representativa transparente e maduro, como estamos em crer que será
o da República portuguesa, nunca poderá assumir-se como um itinerário parlamentar escorreito e capaz a
elaboração de alterações legislativas com o propósito direto, explícito e singular de oferecer obséquio a um
pedido concreto, sobretudo se essa solicitação decorrer da satisfação de interesses específicos e precisos de
um determinado ator político e não de uma necessidade geral e abstrata compreendida pela sociedade
portuguesa globalmente considerada.
Digamo-lo claramente: o texto de substituição, aprovado no passado dia 10 de março no Plenário da
Assembleia da República, teve como escopo restrito responder ao apelo feito, de forma pública, pelo Sr.
Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Rui Moreira, que, em e-mail enviado a todos grupos
parlamentares, em setembro de 2016, solicitou a alteração da lei eleitoral autárquica, no que se reporta à matéria
das candidaturas independentes, alegando razões de desigualdade com as candidaturas dos partidos políticos
aos órgãos das autarquias locais. Antes desse chamamento do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto
nenhum dos partidos que vieram a apresentar propostas de alteração à Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais, que redundaram no já referido texto de substituição, tinham afirmado a urgência numa modificação legal
desse tipo ou expressado, de algum modo, a sua indispensabilidade democrática e política.
Desde o início da vigência da atual Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, a Lei Orgânica n.º 1/2001,
de 14 de agosto, que as candidaturas dos grupos de cidadãos se têm sucedido nas diversas eleições autárquicas
sem que se tenha percebido um clamor público ou a simples evidência concreta de que essas candidaturas se
encontravam num evidente plano de desigualdade com as dos partidos políticos e que, assim, impediam,
limitavam ou cerceavam vertentes essenciais dos seus direitos eleitorais e cívicos. Do mesmo modo, sempre se
assinalará que o próprio autor da já referida queixa aos partidos políticos com representação parlamentar, o
agora Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Rui Moreira, foi candidato às últimas eleições autárquicas,
em setembro de 2013, encimando a candidatura de um grupo de cidadãos independentes (embora apoiado pelo
CDS-PP) com inegável êxito eleitoral — não se conhecendo, à data e até ao momento da aproximação do
presente período pré-eleitoral, qualquer lamento seu resultante de uma eventual discriminação da sua
candidatura perante as dos partidos políticos que, aliás, venceu.
A Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais não mudou entre setembro de 2013 e setembro de 2016,
data em que o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto resolveu tornar públicas as suas angústias com
essa legislação — o que, afinal, parece ter-se alterado substancialmente foram as circunstâncias e as
conveniências políticas com que o Dr. Rui Moreira pretende renovar a sua candidatura ao município do Porto.
Aludimos, designadamente, às contingências de uma junção entre o CDS-PP, o partido político que era o seu
apoiante original, e o PS, de que o grupo de cidadãos que ampara o Dr. Rui Moreira foi adversário em 2013 mas
que se veio a constituir, no atual momento político, no seu principal patrocinador eleitoral para as eleições
autárquicas que decorrerão em 2017.
As inquietações essenciais que se conseguem inferir daquele apelo público do Sr. Presidente da Câmara
Municipal do Porto decorrem, desse modo, exclusivamente, do constrangimento político resultante da obrigação
de apresentação de listas ordenadas de candidatos para serem subscritas pelos cidadãos num momento
anterior ao que lhe seria politicamente conveniente, dado que, com a redação da lei ainda em vigor, o grupo de
cidadãos que apadrinha o Dr. Rui Moreira se veria compelido a realizar um anúncio público da composição
arrumada das suas listas ao executivo municipal e à assembleia municipal, dando a conhecer o peso relativo de
cada um dos partidos políticos que o suporta, bem como a influência política que restaria aos cidadãos
independentes que o apoiam.
O Grupo Parlamentar do PSD entende que a clara absolutização desta motivação fulanizada para se
realizarem alterações legislativas é demasiado negativa do ponto de vista democrático, político e institucional.
O poder legislativo, particularmente aquele que está constitucionalmente cometido à Assembleia da
República, não pode, nem deve, andar a reboque dos interesses específicos e concretos de uma determinada
candidatura, mormente quando estes se percebem como um apelo isolado, motivado por conveniências políticas
individuais e restritas que não são determinadas ou fundamentadas em qualquer clamor nacional que imponha
a necessidade de alteração urgente da lei, no que respeita ao regime das candidaturas por grupos de cidadãos
eleitores aos órgãos das autarquias locais.