I SÉRIE — NÚMERO 64
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O debate sobre a organização administrativa do Estado e a descentralização democrática revela a absoluta
necessidade da criação de regiões administrativas, que a Constituição preconiza e que continua por concretizar.
Olhar para a organização do Estado tendo em conta as regiões administrativas possibilita uma abordagem
mais coerente sobre qual o nível de poder mais adequado para o exercício de cada uma das atribuições e
competências.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Avançar com a regionalização é o que cria as condições para uma política de
desenvolvimento regional com a ativa participação das autarquias e dos agentes económicos e sociais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa destaca como princípio da
organização do Estado a descentralização. Como já afirmámos aqui, um processo de descentralização de
competências exige a recuperação e a afirmação da autonomia do poder local, exige um quadro claro e
sustentado de condições que enquadrem a transferência de competências, exige um regime de financiamento
com os meios necessários, estabilidade de execução e previsível evolução e exige a reposição de condições
organizacionais, materiais e humanas.
Queremos contribuir para este debate com propostas concretas.
Apresentamos hoje o projeto de lei-quadro que estabelece as condições e os requisitos de transferência de
atribuições e competências para as autarquias locais.
Num processo desta natureza, antes de se definir o quê, tem de se definir como, em que condições, com
que objetivos e a que princípios deve obedecer. É a isto que o PCP procura dar resposta, porque não podemos
decidir quais as competências a transferir para as autarquias sem considerar as condições para o seu exercício.
Consideramos que a transferência de competências deve respeitar os seguintes princípios: a preservação
da autonomia administrativa, financeira, patrimonial, normativa e organizativa interna das autarquias locais; a
garantia do acesso universal aos bens e serviços públicos necessários à efetivação de direitos constitucionais;
a coesão nacional, eficiência e eficácia da gestão pública; a unidade do Estado na repartição legal de atribuições
entre as entidades públicas e administrativas e a adequação do seu exercício aos níveis da administração
central, regional e local; a adequação dos meios às necessidades; e a estabilidade de financiamento no exercício
das atribuições que lhes estão cometidas.
Descentralizar não é sinónimo de desconcentrar, nem de delegar.
Descentralizar significa o poder de executar, mas também o poder de decidir. Por isso, propomos que a tutela
a que as autarquias estão sujeitas seja a de mera legalidade, respeitando o seu quadro de autonomia.
Propomos também que as autarquias que recebam novas atribuições e competências tenham os poderes de
planeamento, programação, execução, conservação, manutenção e fiscalização e que sejam acompanhadas
de todos os meios que lhes estão afetos.
Em matéria de finanças locais, propomos que, de acordo com as normas constitucionais, as autarquias
tenham receitas próprias e participem por direito próprio no produto dos impostos e demais receitas cobradas
pelo Estado, que haja reversão das atribuições, se houver redução das respetivas dotações financeiras, e que,
quando se verificar uma participação nos impostos, na lei de Orçamento do Estado, inferior ao previsto na Lei
das Finanças Locais, o Estado fique vinculado à reposição dos valores em causa nos três anos seguintes.
A plena realização e exercício das atribuições e competências exige que os meios financeiros tenham em
conta não só a despesa associada a cada atribuição em concreto mas também o grau de execução entre o
programado e o realizado, os montantes necessários para executar o programado e ainda a identificação de
carências, em particular de meios humanos e técnicos, acrescido de 5% a 10% para despesas de administração.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A descentralização não pode
corresponder à desresponsabilização do Governo, nem à transferência de encargos e de descontentamentos
da administração central para a administração local, transferindo o ónus negativo e problemas que persistem
para as autarquias.