I SÉRIE — NÚMERO 101
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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Sr. Secretário de Estado, o Sr. Deputado João Galamba, na
fase final da sua intervenção, colocou-lhe uma pergunta. Por uma questão de organização dos trabalhos,
gostaria de lhe perguntar se podemos deixar a resposta para os seus dois minutos finais. Está de acordo, Sr.
Secretário de Estado?
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Finanças: — Com certeza.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje duas propostas
de lei, uma que regula fundos de investimento, outra que regula um regime de recuperação de crédito que vai
dar uma resposta aos lesados do BES.
Queria começar pela primeira, a dos fundos de investimento, e dizer que discordamos da exposição de
motivos quando se afirma que as situações recentes do sistema financeiro afetaram negativamente este
mercado, em particular, o dos fundos de investimento.
Entendemos que só alterou a sua perceção sobre o mercado quem tinha uma ideia errada sobre esse
mercado, ou seja, quem estava convencido de que o mercado de produtos estruturados era um mercado sem
risco e quando contratualizava um produto estruturado estava, na verdade, a contratualizar um depósito.
Este problema de perceção, que é um problema que se mantém no sistema financeiro português, não vai
mudar com a proposta de lei n.º 88/XIII (2.ª), que regula os fundos de investimento, embora seja bem-
intencionado e tenha melhorias, as quais acompanhamos. Mas era preciso, e mantemos essa ideia, ir muito
mais longe. Era preciso impedir que investidores não qualificados e que, claramente, não têm capacidade para
contratualizar certo tipo de produtos o fizessem. Era preciso balizar essa possibilidade e impedir os bancos de
venderem estes produtos.
O Bloco de Esquerda tem apresentado um sem-número de propostas que vão neste sentido. As mais
importantes — achamos nós — e que resolveriam o problema pela raiz foram sistematicamente rejeitadas aqui
na Assembleia da República.
Há outra discordância, subjacente a esta proposta, que é a da ideia de que, com a regulamentação certa, a
liberalização, a integração financeira e o desenvolvimento dos mercados financeiros é, em si, o resultado
desejável que promove crescimento económico e estabilidade financeira.
O que os últimos 40 anos provaram é que a financeirização da economia só nos trouxe economias mais
instáveis, mais débeis, menos resilientes, com problemas seculares de crescimento económico, de falta de
investimento produtivo, de desigualdades, de injustiças e também de perda do valor e do rendimento do trabalho
e da distribuição do rendimento.
Estes efeitos de fragilidade do sistema financeiro são inerentes ao seu funcionamento e têm efeitos diferentes
em países diferentes, conforme a sua organização. Em Portugal é a banca que predomina, que manda. Sempre
foi! E, portanto, foi na banca que esta fragilidade se fez sentir mais.
A fraude que foi o reflexo do BES é também o reflexo desta fragilidade. A fraude não é a exceção do sistema
financeiro, a fraude é uma das características do funcionamento do sistema financeiro e o BES mostrou-nos isso
mesmo.
O BES é um exemplo máximo desta fragilidade que é endémica, que é endógena ao próprio funcionamento
do sistema. Por ser um exemplo tão flagrante da integração entre fraude e funcionamento do sistema financeiro,
a questão do BES coloca-nos questões difíceis de resolver.
A primeira questão a que temos de responder é: como é que lidamos com as vítimas mais diretas desta
fraude, que são os lesados do BES e que, aproveito, para cumprimentar? Por outro lado, como é que resolvemos
este problema, mas impedimos que se crie um incentivo perverso que é a ideia de que o Estado pode sempre
garantir as perdas privadas? Estas são questões difíceis mas, acho eu, deve ser levada em conta a sua
especificidade e a especificidade deste caso.
Estamos a falar de investidores não qualificados, em que já foi feita prova de que a venda foi fraudulenta.
Estamos a falar também de falhas institucionais gravíssimas, em que o Banco de Portugal não soube dar
resposta ou deu uma resposta errada, quando não o podia ter feito, em que o Novo Banco, já sob alçada pública,