I SÉRIE — NÚMERO 26
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E se é verdade que nada impede um juiz, já hoje, de optar pela qualificação do homicídio, mediante avaliação
das circunstâncias, não é menos verdade que se permite uma margem de discricionariedade que a nós não nos
parece desejável.
Acresce, no entender do CDS, que há um valor dissuasor nesta alteração que propomos, no sentido tanto
da prevenção geral como da sinalização de mais uma forma de combate à violência no namoro, que procura
desta forma deter esta preocupante escalada.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada, Sandra Cunha.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os dados das mais diversas fontes são
unânimes: a violência no namoro continua a aumentar ano após ano. Apesar das campanhas, dos planos e
programas, das medidas, das iniciativas legislativas e dos instrumentos de prevenção e combate estamos,
claramente, a perder a batalha.
E a violência no namoro é tão mais assustadora quanto nos confronta com a evidência de que o crime que
mais mata em Portugal, a violência doméstica, se impõe, simultaneamente, enquanto causa e consequência da
violência nas relações de namoro.
O ciclo é vicioso e perverso e exige, por isso, a nossa maior atenção.
Os estudos realizados na área revelam que um em cada cinco jovens já foi vítima de violência neste contexto
e os dados disponíveis indicam que a violência no namoro tem vindo a ganhar cada vez mais expressão entre
pessoas cada vez mais jovens.
As queixas de violência no namoro às forças e serviços de segurança, em 2016, ascenderam a 1787 casos,
dos quais 1020 entre ex-namorados e 767 entre namorados.
A marca de género, à semelhança do que acontece na violência entre cônjuges ou ex-cônjuges, está também
presente na violência entre namorados. Tanto o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses como
o Relatório Anual de Segurança Interna revelam que as vítimas sinalizadas são, na sua esmagadora maioria,
do sexo feminino. A violência física e a violência psicológica no namoro assumem igualmente proporções
assustadoramente altas.
A violência doméstica e no namoro é, portanto, um problema sério e crescente. Não pode ser desvalorizado,
nem legitimado, nem naturalizado. E por ter sido sempre essa a nossa convicção, no ano 2000, por iniciativa do
Bloco de Esquerda, a violência doméstica passou a ser considerada crime público, possibilitando a denúncia
por parte de qualquer pessoa que dela tenha conhecimento.
Assim, 13 anos depois, também por iniciativa do Bloco de Esquerda, a violência entre namorados passou
igualmente a ser considerada enquanto crime de violência doméstica e a beneficiar de um tratamento penal
agravado, semelhante ao previsto para a violência nas relações de conjugalidade.
Este foi um passo de importância decisiva para a visibilidade da violência no namoro, para o reconhecimento
da violência por parte das próprias vítimas e, consequentemente, para a recusa deste tipo de comportamentos
e para a promoção da sua denúncia.
No entanto, o Código Penal não sofreu qualquer alteração no que respeita à ocorrência de homicídio no
contexto das relações de namoro, por forma a ajustar-se ao que está previsto e contemplado para o homicídio
no âmbito das relações de conjugalidade, por via do casamento ou união de facto, sejam elas presentes ou
passadas. Estando em causa a mesma argumentação para os dois casos é, portanto, expectável que sejam
tratados com a mesma dignidade penal.
Este é o aperfeiçoamento que propomos fazer ao Código Penal: qualificar o homicídio nas relações de
namoro garantindo que passe a ser suscetível de especial censurabilidade ou perversidade o facto de o crime
de homicídio ser praticado contra a pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação íntima
de namoro.
Este é mais um passo de evidente justiça no combate a esta tragédia que assola a sociedade portuguesa e
é mais um passo na tentativa de combater este crescente problema, que é o aumento da violência no namoro
e, especialmente, a violência entre os mais jovens, o que é algo a que não podemos virar a cara e em relação
ao qual não podemos baixar os braços.