30 DE MAIO DE 2018
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mas, sim, a do progresso social, no sentido de se assegurar condições para uma vida digna, mobilizando todos
os meios e capacidades sociais, mobilizando a ciência e a tecnologia para debelar o sofrimento e a doença e
para assegurar a inclusão social e o apoio familiar.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — O que se impõe é que o avanço e o progresso civilizacionais, bem como o
aumento da esperança de vida decorrente da evolução científica, sejam convocados para garantir uma vida com
condições materiais dignas em todas as suas fases.
Dirão os proponentes das iniciativas em debate que a possibilidade da morte antecipada que propõem em
nada obsta ao investimento em cuidados paliativos. Mas o que ninguém poderá negar, se as iniciativas forem
aprovadas, é que o mesmo Estado que não garante condições para eliminar o sofrimento em vida passa a
garantir condições para o eliminar pela morte.
O projeto de sociedade que o PCP defende baseia-se numa conceção profundamente humanista, que não
desiste da vida, que luta por condições de vida dignas para todos e que exige políticas que as assegurem, desde
logo pelas condições materiais necessárias na vida, no trabalho e na sociedade.
Ao contrário do que aconteceu em 1998 e em 2007 com a luta pela despenalização da interrupção voluntária
da gravidez (IVG), a despenalização da eutanásia não viria resolver nenhum dos graves problemas sociais que
afetam a sociedade portuguesa.
No caso da IVG, havia mulheres condenadas por terem abortado, havia julgamentos em curso e humilhações
públicas, havia milhares de mulheres que punham a vida em risco por terem de recorrer ao aborto clandestino.
Havia um flagelo social que era preciso resolver e o PCP lutou para que a Assembleia da República assumisse
a responsabilidade de legislar sem estar dependente da incerteza de consultas referendárias, sempre em defesa
da vida e da dignidade das mulheres.
Nada parecido com isso está agora em causa. A morte antecipada nem sequer constava dos programas
eleitorais apresentados em 2015 e, ao invés, o que constitui um grave problema social que deve ser resolvido é
o da capacitação do SNS para dar resposta às necessidades de cuidados de saúde da população, incluindo ao
nível dos cuidados paliativos, e o da criação de condições de apoio social que garantam condições de vida
dignas a todos os cidadãos. Essa, sim, deve ser a principal preocupação do legislador.
Os projetos que foram hoje, aqui, apresentados assumem a preocupação de rodear a decisão sobre a morte
antecipada de diversas cautelas processuais, de modo a evitar a acusação de que a legislação proposta poderia
dar lugar a uma «rampa deslizante», em que a eutanásia seria aplicada a casos não expressamente previstos
pelo legislador.
Acreditamos que a intenção dos proponentes seja a de evitar essa «rampa deslizante», mas isso não nos
permite ignorar que, nos poucos países europeus onde a eutanásia é permitida — e que são a exceção, não
são a regra! —, essa «rampa deslizante» é um facto indesmentível que não se compadece com as cautelas que
foram impostas pelo legislador.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Na Holanda, onde as cautelas da lei são muitas — o doente deveria estar
consciente, num sofrimento insuportável e sem perspetivas ou esperanças de melhorias —, a eutanásia já
representava, em 2016, 4% dos óbitos do país (6091 casos, incluindo 32 pessoas com demências e 60 pessoas
com problemas psiquiátricos) e passou a ser aplicada também a doentes inconscientes, desde que um médico
considere que estão em sofrimento extremo.
Na Suíça, pelo simples facto de, na legislação, o incitamento e a assistência ao suicídio só serem punidos
se forem baseados em «motivos egoístas», instalou-se um verdadeiro negócio internacional de morte
antecipada, de intenções supostamente benévolas e de tipo associativo, através de duas instituições,
designadas Dignitas e Exit, que, a troco de elevadas quantias, se encarregam de ajudar ao suicídio. Os critérios
são, supostamente, rigorosos: o doente tem de ter discernimento e manifestar a sua vontade, consciente e
livremente; o seu pedido tem de ser sério e reiterado; a sua doença tem de se revelar incurável; o sofrimento
físico ou psíquico que o atinja tem de ser intolerável; e o prognóstico do desfecho da doença tem de ser a morte