I SÉRIE — NÚMERO 90
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ou, pelo menos, uma incapacidade grave. Tudo parece muito rigoroso, mas a natureza do capitalismo encarrega-
se de tornar tudo muito mais fácil.
Poder-se-á dizer que nenhum dos textos hoje, aqui, apresentados permitirá supor que em Portugal
aconteçam situações como estas, mas a legislação da Suíça ou da Holanda também não o permitia! O legislador
limitou-se a abrir cautelosamente a porta e alguém se encarregou de a arrombar.
Da nossa parte, não se trata de instaurar processos de intenções quanto aos resultados a que conduziria a
aprovação da legislação que nos é proposta. Trata-se, apenas, de não ter a ingenuidade de pensar que soluções
legislativas iguais possam, inevitavelmente, produzir resultados diferentes.
Para o PCP, a eutanásia não é um sinal de progresso, mas um passo no sentido do retrocesso civilizacional,
com profundas implicações sociais, comportamentais e éticas.
Num quadro em que o valor da vida humana surge relativizado, com frequência, em função de critérios de
utilidade social, de interesses económicos, de responsabilidades e encargos familiares ou de gastos públicos, a
legalização da morte antecipada acrescentaria uma nova dimensão de problemas que não é possível ignorar.
Desde logo, introduziria um relevante problema social resultante da pressão do encaminhamento para a morte
antecipada de todos aqueles a quem a sociedade recusa dar resposta e dar apoio numa situação de especial
fragilidade ou necessidade.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo disponível, mesmo tendo em conta o tempo que
foi cedido por Os Verdes.
Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
O PCP decidiu, assim, votar contra todos os projetos que visem a legalização da eutanásia.
Não se trata de uma decisão tomada de ânimo leve. Respeitamos opiniões diversas, baseadas em situações
e sentimentos de particular sensibilidade. Não ignoramos incompreensões e diferenças de opinião de pessoas
que muito respeitamos e com as quais continuamos a contar nas muitas lutas que travamos todos os dias pela
dignidade da pessoa humana e pela efetivação dos direitos fundamentais do nosso povo.
Porém, a decisão do PCP é assumida com a convicção de traduzir um projeto político de transformação e
progresso social e uma conceção humanista da vida.
A posição do PCP de recusa da eutanásia não radica em considerações morais ou religiosas, radica na
consideração de que o que deve prevalecer nas opções do legislador é o valor intrínseco da vida e não a
valoração da vida humana em função da sua utilidade, de interesses económicos ou de discutíveis padrões de
dignidade social.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir. Já utilizou os 2 minutos cedidos por Os Verdes.
O Sr. António Filipe (PCP): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
Esta é a posição de quem identifica na ação do ser humano e na sua intervenção social o elemento
transformador da realidade social e o elemento decisivo para os avanços científicos e tecnológicos que
permitiram, ao longo da história, prolongar a esperança de vida e melhorar os indicadores de saúde e que, no
sentido do progresso social, hão de permitir debelar o sofrimento e a doença e assegurar condições de vida
dignas a todos os cidadãos, em todas as fases da sua vida.
Aplausos do PCP e de Deputados do PSD.
O Sr. Presidente: — A Mesa regista a inscrição da Sr.ª Deputada Mariana Mortágua para pedir
esclarecimentos. No entanto, o Sr. Deputado António Filipe não dispõe de tempo para responder, pelo que
pergunto à Sr.ª Deputada se mantém a inscrição, mesmo sabendo que não terá resposta ao seu pedido de
esclarecimento.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sim, Sr. Presidente.