30 DE MAIO DE 2018
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O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Fernando Negrão, o que,
de facto, está hoje em causa é uma discussão sobre uma dimensão essencial da vida e também sobre a
liberdade individual, e sobre esta questão queria, desde já, felicitar o PSD por, nesta matéria, ter assumido a
liberdade de voto aos seus Deputados.
Mas, neste debate, também importa saber o que é relevante e o que está em causa. Não está em causa
obrigar, condicionar ou coagir, não está em causa impor comportamentos ou convicções. O que está em causa
é saber se é ou não permitido a um homem ou a uma mulher, quando em condição de sofrimento intolerável,
decidir da sua vida sem terem qualquer condicionamento de terceiros. Neste debate, o que está em causa é
saber se é ou não permitido que cada um, de uma forma livre e consciente, possa decidir e possa escolher entre
sofrer de uma forma intolerável ou morrer com dignidade.
Hoje, o que estamos a fazer aqui no âmbito da discussão dos projetos de lei apresentados é a colocar a lei
do lado do indivíduo e não a atentar contra ele.
Sr. Deputado, este debate também não é de convicção, não é de crenças,…
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Não devia ser!
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — … não clama por questões religiosas, não é um debate ideológico, não
é um debate sobre esquerda e direita, é um debate sobre humanidade. E isso é que é importante: dignidade
humana, humanidade.
Aplausos do PS.
Este é um debate de homens e mulheres que querem discutir as condições da vida de homens e de mulheres
livres. Este é um debate sobre o sofrimento de cada um, sobre a dor, sobre as escolhas de cada um. Este é um
debate, Sr. Deputado Fernando Negrão, que me vai permitir colocar-lhe a si e a todos os Deputados, nesta
Assembleia da República, uma questão muito concreta: pode ou deve o Estado poder continuar a decidir que
um cidadão deve continuar obrigado a viver, mesmo em situações de esgotamento físico e existencial, de
sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença fatal incurável, em situação de perda da sua dignidade,
mesmo contra a sua vontade?
Para facilitar a resposta, queria apenas citar aqui uma frase de um ilustre português: «Deus criou o livre
arbítrio para o Homem sem nenhum limite. O Homem tem de ser responsável pelo que escolhe, inclusive onde
e quando quer morrer.». Quem o disse? Paulo Teixeira Pinto, recentemente, ao jornal Expresso.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Anastácio, queria agradecer a
sua pergunta e dizer-lhe o seguinte: conheço um conto de Miguel Torga, que, salvo erro, está nos NovosContos
da Montanha, o Alma-Grande, no qual Miguel Torga nos conta a lenda do Abafador. E a lenda do Abafador é
sobre alguém que existia em várias terras de Trás-os-Montes e que, quando as pessoas estavam a morrer ou
acamadas, lhes punha fim à vida. E, Sr. Deputado, isto acontecia por uma razão: porque, nessa altura —
estamos a falar na primeira metade do século XX —, os tempos eram de miséria, os tempos eram de fome, os
tempos eram de desemprego, os tempos eram de falta dos cuidados elementares de saúde.
O Sr. Fernando Anastácio (PS): — Demagogia!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Era esta a razão, Sr. Deputado!
O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — Não abuse do Miguel Torga!