30 DE MAIO DE 2018
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O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra para esse efeito, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, tenho pena que o Sr. Deputado António Filipe tenha
preferido esgotar o seu tempo, não deixando tempo para debate, mas, ainda assim, não deixo de colocar
questões ao PCP e de fazer uma intervenção.
Está lá fora, à porta da Assembleia da República, uma concentração de pessoas que pedem ao Sr. Deputado
que vote contra estes projetos, como, aliás, irá fazer hoje. Essas pessoas, que estão no seu legítimo direito,
entendem que a vida não é de quem a vive, mas é de um poder transcendente — e, já agora, também defendem
que as mulheres devem ser criminalizadas pelo aborto.
Protestos de Deputados do PSD.
Essas vozes querem o seu voto e recorrem a alguns argumentos que o PCP aqui repetiu, hoje. Usam a
estratégia do medo, inventam que a eutanásia é imposta a idosos ou a doentes crónicos, e o Sr. Deputado, que
leu os projetos, sabe que isso é uma mentira grotesca. Afirmam que o direito a terminar a vida em situações de
sofrimento irreparável não pode ser exercido individualmente, dizem que é um retrocesso civilizacional, e até há
quem mitifique a ciência e quase prometa a vida eterna.
Hoje decidimos, aqui, se a bondade para com a escolha livre do fim da vida deve ser punida, e o Sr. Deputado
prefere a punição. Decidimos se uma pessoa tem direito a escolher morrer quando a morte é inevitável, e o Sr.
Deputado prefere negar esse direito. Decidimos, hoje, se mantemos a ameaça da lei sobre a compaixão médica
perante a vontade do doente cujo sofrimento é insuportável, e o Sr. Deputado prefere a ameaça.
A nossa diferença, Sr. Deputado, não é, portanto, sobre o negócio, porque já pode haver negócio em todos
os atos médicos, inclusive nos cuidados paliativos; a nossa diferença, Sr. Deputado, é sobre a escolha política.
Se a consciência de Cavaco Silva, se a consciência de Isilda Pegado, se a consciência do Deputado António
Filipe ou da Deputada Assunção Cristas determina que, independentemente do sofrimento, a vida só é digna se
for vivida até ao último sopro determinado por Deus ou pela condição física, eu respeito essa consciência, e
respeito-a porque quero que as pessoas sejam autónomas, livres para escolher se aceitam ou se recusam, de
acordo com a sua consciência, uma agonia que elas consideram que é humilhante, que elas consideram que é
degradante e que elas consideram que é insuportável.
Quero para mim e para todas as pessoas o direito a uma vida digna até ao fim, e é sobre isto que decidimos
hoje, Sr. Deputado, não é sobre mais nem menos do que isto.
Lembre-se, Sr. Deputado, das palavras de Saramago sobre Ramón Sampedro: «Ninguém tem o direito de
dizer a uma pessoa (…) ‘você vai ficar aí, ligado a (…) tubos’ (…).» Devemos aceitar-lhe a morte, «porque é
isso que a pessoa quer». Não matamos, mas respeitamos quem nos diz: «Por favor, ajudem-me.» Que pena
que hoje não tenha ouvido as palavras de Saramago, Sr. Deputado.
Sr. Deputado, para que esta lei vença, nós não ameaçamos, nós não invocamos dogmas, nós não
prometemos felicidade eterna nem vida eterna. Só queremos o respeito pela consciência de cada pessoa decidir
morrer de acordo com o seu conceito de vida digna, no seu País, junto dos seus, em segurança e em paz — e
é só sobre isto que decidimos hoje, Srs. Deputados.
Aplausos do BE, do PAN e de Deputados do PS.
O Sr. António Filipe (PCP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, para, por intermédio de V. Ex.ª e como interpelação, perguntar
se o Grupo Parlamentar que me fez uma pergunta sabendo que eu não dispunha de tempo para responder me
disponibiliza tempo de que ainda dispõe para eu poder responder.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado António Filipe está aqui há muitos, muitos anos e sabe que acontece
vulgarmente os Deputados fazerem perguntas mesmo não havendo tempo para a resposta.