I SÉRIE — NÚMERO 104
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assuma e cumpra esta promessa e que, pelo menos, «sejam uma vez Centeno», já que da Ministra não podemos
esperar mais nada.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Filipe
Neto Brandão, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra e Sr. Secretário de
Estado dos Assuntos Parlamentares: Esta proposta de lei surge com o propósito de ajustar o Estatuto dos
Magistrados Judiciais à reorganização judiciara de 2013, propiciando a sua congruência recíproca. Tanto
bastará para todos reconhecermos que o presente debate deveria ter ocorrido já há vários anos.
Como explicitamente se assinala na exposição de motivos, a proposta de revisão não propõe qualquer
alteração no que diz respeito às questões remuneratórias. Ora, registamos, é verdade, entre outros, o parecer
que o Conselho Superior da Magistratura fez chegar à Assembleia da República, não para acompanhar qualquer
sugestão de que o ingresso na carreira da magistratura judicial possa hoje corresponder a uma opção pelo
sacrifício, que, como aliás a Sr.ª Ministra há pouco fez, qualquer comparação internacional feita com ponderação
do respetivo vencimento médio nacional de imediato desmentiria, mas para reconhecer que a imposição de um
teto salarial, cuja atualização foi suspensa há já quase três décadas, conduziu a um esbatimento indesejável
das diferenças remuneratórias entre a primeira instância e os tribunais superiores, que importará algum dia
revistar, certos, porém, de que a razão do constrangimento em causa não afeta em exclusivo os titulares daquele
órgão de soberania.
Regressemos, porém, ao conteúdo da proposta de lei e ao que esta aporta para o reforço da independência
dos juízes. Na verdade, não podemos nunca falar dos juízes e do seu Estatuto sem falarmos de independência.
A independência judicial é um princípio basilar da organização política dos Estados democráticos que se
desdobra, indissociavelmente, não apenas na governação e organização dos tribunais no seu todo, mas também
no estatuto de cada juiz individualmente considerado. A independência judicial existe, frisemo-lo, enquanto
garantia dos cidadãos e não enquanto mero interesse profissional ou corporativo. É a independência do juiz que
o imuniza, ou, melhor dito, permite imunizar a quaisquer pressões estranhas à lei e ao direito, mesmo que ou
sobretudo quando o que decida possa colidir com os sentimentos veiculados por quaisquer media ou até
reclamados na rua pela vox populi.
Se sempre assim foi, ou devia ter sido, essa garantia assume hoje uma imprescindibilidade acrescida numa
era onde o condicionamento massivo da opinião pública, hoje propiciado pelo ciberespaço, é uma realidade já
indisfarçável. Ora, a independência dos juízes exige não apenas a inamovibilidade e a irresponsabilidade
consagradas na Constituição, exige independência externa, isto é, perante outros poderes, e independência
interna, isto é, perante intromissões ilegítimas provindas da própria organização corporativa. Ora, como na
exposição de motivos também, e muito bem, se explicita, o princípio da independência terá de valer sem
qualquer reserva no domínio da função jurisdicional materialmente entendida. É, pois, dentro de um perímetro
intransponível, que não pode deixar de estar precisamente delimitado e contido dentro da administração do
serviço de justiça, que se compreenderão as competências dos órgãos de gestão das comarcas e, bem assim,
do órgão de gestão da magistratura. Dito de uma outra forma, é o princípio democrático da independência que,
debatendo-se eternamente, diríamos, com o não menos democrático princípio da responsabilidade ou prestação
de contas — aquilo que, numa palavra, os anglo-saxões tão bem definem como accountability — vem encontrar
o seu ponto de encontro ou de equilíbrio institucional no Conselho Superior da Magistratura.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, se os juízes devem ser deixados sozinhos com a lei — para usar uma
imagem feliz de um aresto do Tribunal Constitucional —, ainda assim é à lei e aos valores aí plasmados que
devem reportar as concretas ponderações em que se traduzem as decisões judiciais. Se o juiz já não é, e bem,
a mera «boca da lei», na expressão de Montesquieu, também não é menos verdade que, como recentemente
nos recordou o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, «numa função em que, em cada ato, desagrada
sempre a alguém, o juiz compreenderá que apenas pode ser respeitado se respeitar e parecer respeitar os
princípios que estão para além de si mesmo e das suas convicções pessoais.» Ora, a nova redação do artigo