7 DE JULHO DE 2018
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A primeira nota da nossa intervenção é, pois, a de sublinhar o atraso indesculpável desta alteração que torna
agora ainda mais indesculpável o atraso da alteração dos estatutos do Ministério Público e dos funcionários
judiciais.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sublinhámos há pouco a importância crucial da dimensão remuneratória
num estatuto adequado às exigências do Estado de direito no nosso tempo. Para lá desta dimensão, há outras
duas deste Estatuto que merecem ao Bloco de Esquerda uma atenção muito particular.
A primeira dessas dimensões é a de uma escrupulosa garantia da independência dos juízes. Há várias
formas de condicionar essa independência. Nem todas são frontais e assumidas e, portanto, mais fáceis de
denunciar como tais. Aquela que se insinua neste Estatuto — e que o Bloco de Esquerda combaterá, desde
logo propondo alterações a este diploma na especialidade — é a que vem no bojo do glamour da moda
gestionária. Sob o pretexto de fixar critérios gestionários, desde objetivos processuais a objetivos estratégicos,
a proposta embarca num esbatimento, que nos parece perigoso, das exigências singulares do que tem de ser
um tribunal num Estado de direito e do que deve ser o espaço de condução processual por um juiz nesse quadro.
Esta ideologia gestionária que olha para um tribunal, para uma enfermaria ou para um balcão da segurança
social e o que vê são apenas fluxos anónimos e incaracterísticos de inputs e outputs e que pretende geri-los
segundo os mesmos critérios sem atender à sua natureza única e os critérios que dela decorrem, confunde tudo
e gera problemas, em vez de soluções. Confunde gestão processual e gestão do tribunal, por exemplo. Pensa
uma e outra sem cuidar de estabelecer uma contingentação processual e coroa este entendimento com a
atribuição ao juiz presidente do tribunal de comarca — para mais escolhido de uma forma que pode ser
discricionária e em exclusivo pelo Conselho Superior — de poderes que podem, na prática, vir a revelar-se como
de verdadeira gestão processual, quando deveria ser apenas gestão do tribunal.
É certo que, relativamente às versões iniciais, a proposta hoje aqui apresentada é mais prudente a este
respeito, reconhecemo-lo. Mas importa, na especialidade, reforçar a garantia de que não prevalecerão
prioridades de tramitação ou lógicas de movimentação processual que não resultem exclusivamente da lei e não
será deixada na disponibilidade do juiz presidente da comarca ou do Conselho Superior a fixação desses
critérios. Importa acautelar isto. Sem essa garantia, haverá sempre o risco, inaceitável num Estado de direito,
de indicações gestionárias de atribuição de prioridade a processos ou a tipos de situações em detrimento de
outros, o que seria inaceitável. Isso faz, obviamente, perigar a independência dos juízes.
A segunda área de preocupação do Bloco de Esquerda é a da forma concreta como nesta proposta é
equacionada a responsabilidade disciplinar dos magistrados. Não está, obviamente, em causa qualquer repúdio
pela ação disciplinar — que isto fique bem claro —, o problema não é esse. É, sim, o de uma proposta de
Estatuto que, em grande medida, estabelece um regime disciplinar sem concretizar devidamente os ilícitos que
podem gerar a sua aplicação. E é também o de uma responsabilidade disciplinar que pode ser acionada por
atrasos, sem que, em simultâneo, se fixem patamares de contingentação processual ou, pelo menos, volumes
de referência. O perigo de, assim, a ação disciplinar vir a significar, na prática, um condicionamento
administrativo do desempenho da função jurisdicional é um perigo que não podemos deixar de assinalar.
É certo que a negociação entre o Governo e os magistrados permitiu prevenir perversões maiores. Ainda
assim, o Bloco de Esquerda combaterá estes riscos de perversão e, na especialidade, apresentaremos
propostas que vão no sentido de concretizar, de forma mais precisa, os ilícitos e de uma consagração do dever
de cooperação dos juízes com as entidades gestoras do tribunal que o limite estritamente às matérias de gestão
e de organização do tribunal, sem nunca incidir sobre a tramitação processual.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados, termino afirmando que o Estatuto dos Magistrados
Judiciais é, para nós, um elemento crucial para a defesa do Estado de direito, como o são os estatutos dos
magistrados do Ministério Público e dos funcionários judiciais, que tardam.
É como ingrediente essencial para o Estado de direito que o Bloco de Esquerda encara este Estatuto, com
a convicção firme de que estatuto profissional, estatuto funcional e estatuto remuneratório fazem parte de uma
mesma unidade. Só esta visão integrada permitirá criar condições para um desempenho motivado, rigoroso e
de excelência pelas e pelos juízes.