I SÉRIE — NÚMERO 25
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elege como elemento fundamental, como objetivo primordial, o combate à criminalidade violenta, à criminalidade
mais complexa, vai resolver isso? Isto, porque o Estatuto não dá resposta a essa questão.
A segunda questão refere-se ao pretendido descongelamento das carreiras dos magistrados do Ministério
Público. A última notícia que se conhece sobre esta problemática tem a ver com uma declaração do Presidente
do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que reproduz uma conversa que terá tido com a Sr.ª Ministra,
no sentido de que, segundo ele, a Sr.ª Ministra lhe terá dito que a questão dos magistrados terá um tratamento
igual à questão dos professores, ou seja, aquilo que acontecer com os professores é aquilo que vai acontecer
com os magistrados do Ministério Público.
O problema, Sr.ª Ministra, é que a carreira dos professores continua congelada e, pelos vistos, ficará no
congelador durante mais algum tempo. E este Estatuto não traz nenhum micro-ondas para descongelar a
carreira dos magistrados e resolver o problema.
Portanto, era bom que a Sr.ª Ministra nos dissesse como e quando pretende resolver esta situação.
A terceira questão — é, porventura, talvez, a mais importante — tem a ver com a real ponderação dos
mecanismos de controlo externo do Ministério Público.
O Ministério Público deve, naturalmente, manter e até reforçar a sua autonomia e legitimidade democrática,
que são princípios constitucionais sagrados nesta matéria, por forma a que não haja ingerências do poder
político, nomeadamente do poder executivo, na sua atividade investigatória. Esse controlo é, como se sabe,
feito pelo Conselho Superior do Ministério Público. Acontece que o Conselho Superior do Ministério Público tem
19 membros, incluindo o Procurador-Geral da República. Deste universo, cinco são eleitos pela AR (Assembleia
da República), dois são nomeados pela Sr.ª Ministra, sete são eleitos pelos seus pares e quatro são magistrados,
de hierarquia.
Feita a aritmética final, o que é que temos? O Conselho Superior do Ministério Público acaba por ser
composto por 12 magistrados e 7 não magistrados. Não é difícil perceber que esta composição influencia e
potencia decisões que nunca desfavorecem a classe e que não enveredam pelo caminho de uma análise
equidistante e crítica por parte da maioria dos seus membros.
No fundo, do que se trata, e numa palavra, é que há aqui alguma tentação para tomada de decisões
chamadas «corporativas».
O pior que pode acontecer a um órgão fiscalizador é, por força dos votos, não fiscalizar nada e, por melhores
decisões que tome, nunca tomar decisões que sejam sindicáveis ou escrutináveis, como devem ser.
Portanto, aqui está uma questão em que, em nosso entender, mais do que o modo de designação do
Procurador-Geral da República, porque essa é matéria que só se pode tratar no âmbito de uma revisão
constitucional, se justifica equacionar se este Estatuto deve ou não ponderar a pertinência de uma eventual
alteração à composição do Conselho Superior do Ministério Público, tornando-o paritário, em condições iguais
àquilo que já acontece no Conselho Superior da Magistratura, que tem oito magistrados e nove vogais nomeados
pelo poder político.
Finalmente, Sr.ª Ministra, o Estatuto resolve deficientemente outras matérias, perdendo uma oportunidade
para introduzir alguma moralidade e, direi até, alguma justiça social no País.
Todos sabemos — pelo menos, eu sei por experiência própria — que os magistrados judiciais e os
magistrados do Ministério Público trabalham imenso, muitas horas, dias a fio, durante os fins de semana,
feriados e sem saberem sequer o que são compensações por horas extraordinárias. Mas há uma evidência que
nós não podemos ignorar: numa altura em que várias classes reclamam reposições salariais e de carreira,
designadamente os professores, não pode ser tabu que se discutam com maior profundidade alguns direitos
que o Estatuto prevê para a classe.
Sabemos que a classe dos magistrados tem uma restrição, quando comparada com as outras: está obrigada
ao estatuto da exclusividade. Só que essa condição, podendo justificar um tratamento diferenciado, e justifica,
pode não justificar diferenciações de enorme dimensão. Como dizem os ditados populares, «nem tanto à terra
nem tanto ao mar», «nem oito nem oitenta».
Podíamos dar muitos exemplos, mas fico só por um, pela questão da jubilação. Sr.ª Ministra, sabemos que
faz sentido manter-se o regime da jubilação por aquilo que procura evitar, mas não é compreendido por nenhum
cidadão, no que respeita à extensão dos benefícios que este regime confere, que o Estatuto não a refira. Aqui
está uma situação, entre muitas outras, que precisa de ser discutida.