I SÉRIE — NÚMERO 26
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públicos de PMA, e das enormes e intermináveis listas de espera, inúmeros casais puderam concretizar o desejo
de ser pais.
Sucede que, desde maio de 2018, após a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional,
no Acórdão n.º 225/2018, muitos casais ficaram com as suas legítimas aspirações adiadas e, como muitas vezes
têm afirmado, as suas «vidas congeladas», uma condição que os dois testemunhos que se seguem tão bem
ilustram.
Passo a citar este testemunho: «(…) somos um casal a tentar ter filhos há 8 anos, eu tenho endometriose
profunda o que provoca a minha infertilidade, que temos um tipo de sangue raro e que por isso os dadores ou
as dádivas também são menores, que estava em início de medicação para recebermos tratamento com doação,
quando recebo o telefonema a dizer para parar a medicação e que não tinham data para voltar a iniciar
tratamento, que só quando a lei estivesse clarificada. Que, no meio disto tudo, cheguei aos 40 e sei que só tenho
tentativas até aos 42. E só vejo os dias a passar e não vejo uma data para que isto da lei se resolva. Será daqui
a um mês? Será que só quando fizer os 41? Será… Não consigo explicar o que se sente. Não sei sequer como
continuo a vir trabalhar e a tentar ‘fazer a minha vida’ como se estivesse tudo bem, quando não está. É quase
como sentir a morte e a perda de uma pessoa que nem sequer nasceu».
Ou ainda este outro testemunho: «A minha decisão refletida, bem ponderada, emocionalmente sustentada e
com todo o apoio familiar e de amigos foi tomada neste ano de 2018. Dois anos após a entrada em vigor da Lei
n.º 17/2016, de 20 de junho, avancei na concretização de um sonho, sonho esse que já só dependia de mim e
não de terceiros (…). No dia 16 de março deste ano, fiz a minha primeira inseminação.
As expectativas eram elevadas, por mais que o meu lado racional soubesse que iria difícil conseguir ‘à
primeira’. E, de facto, não aconteceu. Enxuguei as lágrimas e não desisti (…). No dia 1 de maio, ia começar um
novo ciclo e, entre o dia 4 e o dia 10 de maio, faria a segunda inseminação, já com uma certeza maior (quase
absoluta no meu pensamento) que desta vez conseguiria engravidar.
No entanto, e de repente, sem nada prever, em face do parecer do Conselho Nacional de Procriação
Medicamente Assistida, a PMA com dador em Portugal foi suspensa e a minha vida também ficou suspensa».
Estes são apenas dois testemunhos, mas mostram de forma muito clara que há comprometimento na
realização de tratamentos com recurso a gâmetas ou embriões doados ao abrigo da confidencialidade e que a
aspiração legítima das famílias, que muito desejam ter um filho, ficou adiada.
Também o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, ao longo destes meses, tem alertado
para a necessidade de serem encontradas respostas para ultrapassar, entre outras, as «dúvidas e reservas (…)
quanto ao Destino a dar a embriões criopreservados produzidos com recurso a gâmetas de dadores anónimos;
Destino a dar a embriões criopreservados para os quais foi prestado consentimento para doação anónima a
outros beneficiários; Destino a dar a gâmetas criopreservados doados em regime de anonimato».
A contribuição do PCP é no sentido de garantir uma lei que dê expressão a alguns direitos que se encontram
expressos no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, designadamente o direito
à liberdade indispensável à investigação científica, o direito de cada um a beneficiar das melhores condições
possíveis de saúde física e mental, o direito do ser humano à dignidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste sentido, querendo contribuir para que as expectativas legitimamente
criadas não sejam defraudadas e para que a inovação científica e técnica possa contribuir para a felicidade das
famílias e para dar resposta às dúvidas levantadas pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente
Assistida, o PCP traz aqui, hoje, uma iniciativa legislativa, que estabelece o regime de confidencialidade nos
tratamentos de procriação medicamente assistida.
A nossa iniciativa legislativa altera o quadro legal em vigor, adequando-o às decisões do Tribunal
Constitucional, e cria um regime excecional que permite a utilização de gâmetas e de embriões doados sob
anonimato, em data anterior à decisão do Tribunal Constitucional, nos tratamentos de infertilidade.
O regime transitório proposto protege a confidencialidade de gâmetas e de embriões doados até 7 de maio
de 2018, tal como previsto pela lei vigente na altura da dádiva, a menos que os dadores se expressem em
sentido contrário, possibilitando, assim, que os tratamentos de infertilidade iniciados possam ser retomados e
concluídos.
Na nossa iniciativa legislativa, está também salvaguardado o direito à identidade pessoal. Neste sentido,
propomos que as pessoas nascidas com recurso a técnicas de procriação medicamente assistida possam ter
acesso à identidade do doador, se for essa a sua vontade.