I SÉRIE — NÚMERO 39
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Os confetti vão ter de esperar por outra ocasião, porque o que efetivamente observamos e aplaudimos é uma
Europa tranquilamente preparada para tudo e um Reino Unido impreparado para lidar com os seus fantasmas
e com as suas contradições.
A União Europeia não tem poupado nas mensagens claras. Com as linhas vermelhas que as partes traçaram,
não é possível um acordo de saída diferente daquele que foi negociado.
Se o Reino Unido necessitar de mais tempo, terá mais tempo para o que quer que seja; se quiser anular a
sua notificação de retirada ao abrigo do artigo 50.º do Tratado da União Europeia, poderá fazê-lo; se quiser sair
sem acordo, lamentamos, pois será uma opção grave, mas estamos preparados com planos de contingência.
Não custa antever o que o Partido Socialista preferiria.
A Europa recebeu do Reino Unido um legado incomensurável. O sistema político comum à Europa não seria
o que é sem os contributos de John Locke, Thomas Hobbes ou Jeremy Benton. O nosso sistema económico
não teria a configuração que tem sem Adam Smith, John Stuart Mill ou John Maynard Keynes. Os nossos valores
fundamentais — de limitação do Governo, de liberdade e de tolerância — teriam soçobrado às mãos dos
populismos fascistas e nazis se os britânicos não tivessem liderado a resistência da Europa livre. A cultura
europeia seria bem diferente sem Shakespeare, os Monty Python ou os Beatles.
O Reino Unido é, indiscutivelmente, um artífice da construção da Europa tal como ela existe.
Para Portugal, o Reino Unido, ou, mais remotamente, a Inglaterra, tem um valor especial. São os amigos
com quem quase sempre estivemos do mesmo lado. Além disso, ligam-nos ao Reino Unido centenas de
milhares de portugueses que ali vivem, trabalham e estudam, e dezenas de milhares de britânicos que estão
em Portugal, para além de um relacionamento económico umbilical.
Repito: não custa perceber o que o Partido Socialista preferiria, através de novo referendo ou, simplesmente,
por as instituições democráticas do Reino Unido concluírem que a saída da União Europeia colocará problemas
insolúveis e que o melhor seria regressarem ao acordo negociado entre o ex-Primeiro-Ministro britânico e a
União Europeia antes do referendo.
A votação não clarificou, mas também não tornou este desenlace mais improvável. Compete, todavia, ao
povo do Reino Unido e às suas instituições decidirem o rumo que querem tomar.
Por sua parte, Portugal prepara-se para qualquer cenário, designadamente, desenhando e executando
planos de contingência para uma saída desordenada.
Não ignoramos que a comunidade portuguesa no Reino Unido e que a comunidade britânica em Portugal
não estão totalmente tranquilas, o que é compreensível. Porém, aquilo que sabemos, com base sólida, é que,
se houver saída desordenada, os britânicos em Portugal não sentirão um impacto significativo nas suas vidas,
e há boas razões para crer que o Governo britânico não quererá que os portugueses no Reino Unido vejam a
sua vida significativamente perturbada. Para isso trabalham o Governo, os serviços diplomáticos e consulares,
os departamentos da Administração Pública com responsabilidades conexas. Para isso, também estará aqui o
Partido Socialista pronto a promover e a apoiar quaisquer medidas com caráter de urgência que se mostrem
necessárias.
Termino, assinalando que qualquer que seja o resultado deste percurso conturbado, há algo que não
podemos ignorar: mesmo fora da União Europeia, uma relação futura sólida e próxima com o Reino Unido, quer
ao nível bilateral, quer no contexto da União Europeia, é crucial. Seja segundo o modelo norueguês, de que
agora se fala muito, ou outro qualquer, estamos condenados a uma relação estreita, não apenas no domínio da
defesa europeia, onde é imprescindível, mas também ao nível económico e comercial.
Por muita incerteza e falta de clareza que exista, isto é inequívoco.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Sr. Deputado Vitalino Canas, inscreveram-se quatro Deputados para
formularem pedidos de esclarecimento.
Como deseja responder, Sr. Deputado?
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Dois a dois, Sr. Presidente.