I SÉRIE — NÚMERO 39
58
Devo dizer que me parece — e parece ao Partido Socialista — que este consenso se tem traduzido em ação
legislativa, com a ampliação dos tipos criminais em matéria de corrupção e na ampliação dos meios de
investigação, tanto os meios materiais como os processuais. Portanto, o legislador tem atuado em conformidade
com aquela prioridade e o PS orgulha-se do seu papel enquanto proponente de um conjunto desses decisivos
avanços legislativos em matéria de combate à corrupção.
A esse propósito, Sr.as e Srs. Deputados, acho que convém termos todos a noção de que o que é negativo
não é que existam processos de corrupção de grande visibilidade. O que é negativo, desde logo, é que exista
corrupção, mas é pior se existir corrupção e não existirem os correspondentes processos criminais.
Devemos estar satisfeitos? Não, devemos sempre estar disponíveis para criar medidas que melhorem o
combate à corrupção. Mas sendo certo, como aqui já foi referido, que a petição não define exatamente os
contornos dos dois institutos que vem propor, ou seja, o enriquecimento injustificado e a delação premiada, se
tomarmos esses institutos pelas suas consagrações mais correntes eles merecem-nos, em ambos os casos,
grandes reservas e não pensamos que sejam contributos positivos.
Quanto ao enriquecimento injustificado, ele tem um passado recente neste Parlamento. No nosso
entendimento, sempre foi uma forma de fingir que se fazia alguma coisa, tão evidente era a inconstitucionalidade
das propostas que foram aprovadas e rejeitadas pelo Tribunal Constitucional. Evidente inconstitucionalidade,
porque numa criminalização tem de ficar claro para todos qual é a conduta que é proibida ou qual é a omissão
que é proibida. Não podemos partir de um resultado e prescindir da prova da conduta. E não podemos porque
essa presunção — e este é o segundo argumento — viola o princípio da presunção da inocência ao obrigar
quem se defende a provar, pelo contrário, que o seu comportamento é lícito.
No que toca à delação premiada, e mais uma vez tomando aqui um exemplo extremo do que seria a sua
consagração legal, é um regime em que se negoceia a própria justiça e em que se acaba por punir menos a
corrupção, porque há alguém contra a qual existem indícios da prática de um crime que acaba por não ser
acusado. E, nesses termos, é um regime que não parece compatível com a Constituição, porque a
independência do Ministério Público enquanto titular da ação penal tem como necessário correspetivo a sua
vinculação à lei e não essa autonomia para decidir quem é ou não acusado, prescindindo da intervenção de um
juiz e das garantias da prestação de prova em julgamento.
Parece-nos, portanto, que o legislador deve prosseguir naquilo que tem sido o seu caminho no nosso
processo penal: dotar as magistraturas dos meios para provar a prática dos factos criminosos, não prescindir
das acusações em relação a ninguém face ao qual existam indícios e, em nome da defesa do Estado de direito,
nunca prescindir do próprio Estado de direito.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do
PCP.
O Sr. António Filipe (PCP) — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vamos por partes relativamente ao
objeto desta petição.
O que está na sua base, a proposta de um referendo sobre estas matérias, o relatório da Comissão, que foi
da autoria do Sr. Deputado Fernando Rocha Andrade, que acabou de falar, equaciona a questão corretamente,
ou seja, um referendo incide sobre uma só matéria e não sobre duas completamente diferentes e não é possível,
nos termos em que a questão é colocada pelos peticionários, encontrar uma pergunta suscetível de ser levada
a referendo, por falta de objetividade e de precisão da pergunta a formular. Portanto, vamos deixar de parte a
questão do referendo e vamos às duas questões aqui colocadas: o enriquecimento injustificado e a delação
premiada.
Em primeiro lugar, queremos dizer que, em matéria de combate à corrupção, o maior problema no nosso
País não é já um problema de lei. Houve diversos pacotes legislativos em matéria de combate à corrupção em
legislaturas anteriores com efeitos significativos e, portanto, não temos uma ordem jurídica que pactue com a
impunidade dos crimes de corrupção. Creio, aliás, que, nos últimos anos, até tem ficado patente, tem ficado à
vista perante a sociedade portuguesa, que existem meios legais.