31 DE JANEIRO DE 2019
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Neste quadro difícil, exige-se reforçar a intervenção pedagógica e não ceder perante quem anuncia que está
tudo pior quando a realidade, muitas vezes, está longe de piorar.
Tome-se um exemplo bastante recente sobre os dados que vieram a público nesta semana a propósito do
Índice de Perceção da Corrupção.
O relatório relativo a 2018, elaborado pela rede internacional Transparência Internacional, indica que Portugal
melhorou a sua posição em relação ao ano anterior. Em primeiro lugar, subiu de 63 para 64 pontos em relação
aos elementos avaliados no relatório. Em segundo lugar, mantém-se 21 pontos acima da média global, que é
de cerca de 43 pontos nestes indicadores. Finalmente, em 180 Estados avaliados, Portugal conserva-se
praticamente na mesma posição, em 30.º lugar, com uma ligeira alteração em relação ao ano anterior, o que
não foi fruto da sua posição mas porque outros Estados melhoraram a sua posição relativa.
Neste contexto, o de um relatório que evidencia que se tem trabalhado e que se tem melhorado os
indicadores, não faltaram as leituras do relatório que enfatizavam e deturpavam o seu alcance.
Perante os dados de um relatório sobre perceções de corrupção, para algumas entidades o que dele se
retirou dados foi que tinha estagnado a aprovação de medidas e o combate à corrupção em Portugal,
contribuindo da pior forma para refletir a realidade e para ajudar a melhorar e a manter as reformas que estão
em curso.
Reconhecemos que há caminhos a trilhar, reconhecemos que há domínios em relação aos quais, pela
primeira vez, se estão a introduzir melhorias e alterações na ordem jurídica interna, reconhecemos que há
elementos do relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), do Conselho da Europa, que ainda
estão por implementar e reconhecemos, também, que há sementes e um caminho que está a ser trilhado desde
2016 de forma muito clara.
Aliás, o próprio aumento de queixas, de investigações e até de processos, muitas vezes, traduz a ideia errada
de que há um aumento dos fenómenos de corrupção, quando, na realidade, o que temos é um aumento da
eficácia da sua repressão, o que pode parecer contraintuitivo, mas verdadeiramente revela a forma como
encaramos e como temos vindo a encarar estas matérias.
Enfatizo estes aspetos porque as perceções, hoje em dia, são quase tão fundamentais quanto a substância
sobre as quais incidem. E é sobre este assunto, Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, que gostaria
de ter a oportunidade em Plenário, uma vez mais, de reforçar a importância do trabalho que está a decorrer na
Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas e a centralidade que os
trabalhos parlamentares encararam e têm vindo a encarar desde que em 2016 foi criada a referida Comissão
Eventual.
Ela pode não ter ainda concluído os seus trabalhos — também por isso tem sido objeto de crítica ou até de
incompreensão —, mas, face ao alcance da ressistematização, da alteração legislativa que está em cima da
mesa e do volume daquilo que se propôs realizar, não pode terminar sem a devida auscultação, sem a
construção de consensos e sem a garantia de que o resultado final será resiliente e capaz de reformar as
instituições.
Com mais de 20 iniciativas legislativas em cima da mesa, o resultado final será tanto melhor quanto formos
capazes de oferecer um sistema mais claro e mais exigente, mas de aplicação eficaz e de compreensão fácil
por cidadãos e por titulares dos cargos.
Aliás, a Comissão, que realizará hoje a sua 57.ª reunião, procedeu a inúmeras audições de entidades
públicas e privadas, de personalidades, promoveu uma conferência, pela primeira vez, sobre representação de
interesses e tem vindo já a realizar votações indiciárias sobre as temáticas fundamentais relativas ao tema.
Independentemente das soluções pormenorizadas que alcançaremos no final, o certo é que existem, hoje,
maiorias e até consensos que já rasam a unanimidade em matérias como a revisão das incompatibilidades e
impedimentos, a clarificação do quadro para as obrigações declarativas dos titulares de cargos, a introdução de
formas de valorização da instituição parlamentar e de salvaguarda do seu prestígio e a introdução, pela primeira
vez, da regulação da matéria da representação de interesses.
Evitar as generalizações e defender a democracia contra os populismos implica também ter a capacidade de
alterar a legislação para responder aos casos individuais que merecem a denúncia, sem prejudicar o sistema
democrático e as instituições e procurando que aqueles que querem alimentar-se do ódio contra o
parlamentarismo ou contra as instituições deixem de ter terreno fértil para poder agir.