21 DE MARÇO DE 2019
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Mas a presença digital não é uma presença física, não é uma presença jurídica e, portanto, não há um
elemento de conexão. E, como não há um elemento de conexão, o imposto nacional não tem nenhuma realidade
para tributar.
Acontece, ainda, que estas atividades são altamente móveis.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — And so what?!
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — Como tudo aquilo que não tem realidade física, pode,
verdadeiramente, como mera construção jurídica, estar a operar a partir de qualquer lado. E, estando a operar
a partir de qualquer lado, num espaço de liberdade de circulação de pessoas e capitais, há sempre um regime
fiscal qualquer que oferece a estas atividades a tributação mais favorável,…
Vozes do PS: — Claro!
O Sr. Fernando Rocha Andrade (PS): — … ou seja, tendencialmente, a tributação de zero. E é nessa
jurisdição que se vai localizar essa atividade.
Ficamos, assim, com o conhecido problema da dupla não tributação. Nem o regime fiscal da sede da
atividade tributa, nem o regime fiscal onde residem os consumidores tributa.
O nosso problema, Srs. Deputados, é precisamente a não existência de conexão entre o nosso ordenamento
e a base tributável. Ou seja — e para simplificar —, em Portugal, não existe a quem aplicar o imposto.
Portanto, não creio que o País precisasse de um imposto novo para tributar estes lucros, porque as mesmas
razões que impedem os impostos atuais de funcionarem, ou seja, a falta de conexão, a existência de quem
tributar, também impedirão estes novos impostos de funcionarem.
Se pudéssemos, unilateralmente, proclamar, face a empresas sediadas no estrangeiro, onde é que a base
tributável se localiza, então não precisávamos de imposto nenhum! Púnhamos uma normazinha no Código do
IRC (imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas) a dizer que as receitas de uma empresa localizada no
estrangeiro que resultassem de compras de residentes em Portugal seriam atribuídas a um estabelecimento
estável, que se ficcionaria e que se localizaria em Portugal, e já tínhamos o IRC para tributar estas empresas —
todas, não só aquelas cujo volume de negócios excedesse 750 milhões de euros — e tínhamos o problema
resolvido.
Porque é que isso não se faz? Porque essa norma, no nosso Código do IRC, seria tão ineficaz como as
normas que o Bloco de Esquerda propõe.
É que, mesmo que as definições de jurisdição ou as definições de localização da operação não esbarrassem
nas questões que o meu camarada Fernando Anastácio há pouco levantou, das convenções bilaterais e dos
tratados multilaterais, esbarrariam numa questão de muito mais difícil resolução, que é o facto de não existir a
possibilidade nem de impor deveres acessórios nem de cobrar impostos a quem não tenha presença física nem
jurídica em Portugal.
Portanto, na prática, este imposto não é bom, não serve a sua finalidade. Será que, em teoria, é um imposto
bom, que, só por acaso, na prática, não funciona?
Também não me parece que, em teoria, seja um imposto bom, por uma razão: em teoria, aquilo que funciona
é, verdadeiramente, o duplo desenho que a Comissão Europeia apresentou. São regras sobre a atribuição de
bases tributáveis aos vários países que permitem ao imposto de cada país funcionar. Ou seja, são regras que
permitem que, quando a Amazon ou a Google fazem negócios em que a publicidade é mostrada em Portugal
ou em que o comprador reside em Portugal, a base tributável fique localizada em Portugal. E o nosso IRC
aplicar-se-ia a essa base.
Depois, há um segundo imposto, um imposto de sobreposição — que só faz sentido, aliás, como imposto de
sobreposição e coexistindo com os «IRC» dos vários países da União Europeia —, que, estando sobre o primeiro
desses impostos, tributaria apenas os gigantes. E a receita dessa tributação sobre os gigantes seria, então, uma
receita europeia. Este desenho faz sentido.
O desenho de ter um imposto unilateralmente definido, que é um imposto sobre o volume de negócios, não
faz sentido. Se é para fazer propostas irrealistas e que não funcionam, não compliquemos e façamos uma