I SÉRIE — NÚMERO 83
4
8. Tudo o que fica dito quer dizer que o Decreto da Assembleia da República n.º 290/XIII, pela sua
singularidade, suscita várias interrogações, de ordem social, e, portanto, política, que se passam a enunciar e
cuja dilucidação é essencial ao juízo sobre ele formulável:
1.º Por que razão exclui a gestão direta da farmácia concreta, a que se dirige, pelo próprio hospital, em vez
de escolher concessionar essa gestão?
2.º Por que razão, optando pela concessão, aprova apenas uma em concreto, excluindo a repristinação do
regime abstrato de concessões?
3.º Por que razão, a fazer sentido a existência de uma só concessão em concreto, entende dever privilegiar
uma determinada entidade privada e, mais especificamente, uma entidade que já não goza de direito de
preferência, por haver caducado a sua concessão?
E, porquê, ao fazê-lo por lei individual, afasta a solução de abertura de concurso público, sem direito de
preferência, isto é, concurso a que a ex-concessionária poderia apresentar-se em total paridade com outros
virtuais concorrentes, deixando, então, à autoridade administrativa competente a respetiva decisão?
9. Da resposta às interrogações enunciadas decorre a suficiência ou insuficiência da fundamentação política
para uma lei singular, consagrando um regime obviamente excecional.
10. Quanto à primeira interrogação, é totalmente inexistente uma explicação sobre as razões que excluem a
gestão direta, pelo hospital, da farmácia concreta visada. Se existem motivos sociais ponderosos para a manter
em funcionamento, esses motivos encontram-se indissoluvelmente ligados a haver uma concessão?
O processo legislativo é omisso sobre esta precisa questão.
11. Quanto à segunda interrogação, é insuficiente o que se apura a partir do mesmo processo legislativo.
É perfeitamente legítima a mudança de orientação política, regressando à de 2009, contra a de 2016,
nomeadamente porque nada impede que um Governo ou a sua base de apoio parlamentar mude de orientação
na mesma legislatura, ou que uma maioria parlamentar altere solução governativa durante ela. Mas tal não
explica por que razão se não contempla fórmula geral e abstrata, passível de se aplicar a mais do que uma
situação de facto e a mais do que uma entidade destinatária.
Que quanto a ela possam existir motivos locais ponderosos para se manter uma concessão no futuro e isso
não tenha afetado, ou venha a afetar a atividade das farmácias comunitárias, admite-se, até porque da
documentação disponível resulta o juízo favorável da comunidade à concessão e não resulta, claramente, a
mencionada afetação, passada, presente ou futura. Mas esses motivos locais, por si só, não explicam a não
abertura da mesma solução em situações idênticas.
12. Quanto à terceira interrogação é ainda mais incompreensível por que razão, a manter-se uma específica
concessão, nela tem de ser garantida posição privilegiada a uma específica entidade privada, que foi, mas já
não é, concessionária, e a lei se substitua à autoridade administrativa na decisão do respetivo procedimento.
O argumento do direito de preferência — previsto no regime legal de 2009 que se pretende repristinar —,
vale para concessionárias existentes, não para as que deixaram de o ser.
O argumento de que só vicissitudes do processo legislativo explicam que este tenha demorado tanto que a
concessão, entretanto, caducou, também é circunstancial em excesso.
A questão é outra: há, na verdade, uma razão muito pesada, para além do reconhecimento a quem serviu
cinco anos a comunidade, em situação que se sabia iria terminar, para afastar a plenitude das virtualidades de
um concurso público, a concorrência entre todos os potenciais candidatos e a decisão administrativa
correspondente?
O processo legislativo não só é claramente insuficiente neste particular, como dele parecem decorrer dúvidas,
designadamente em declarações de voto, quanto à solidez das razões aduzíveis neste particular.
13. A inequívoca suficiência da fundamentação política impor-se-ia relativamente a uma lei singular, que
contempla um regime excecional.
Não é o que ocorre com o presente diploma.
14. Assim, nos termos do artigo 136.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, devolvo, sem
promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 290/XIII — Manutenção de farmácias de dispensa de
medicamentos ao público nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, solicitando à Assembleia da República
que, querendo-o, proceda à dilucidação das questões mencionadas, por forma a fundamentar a aludida
promulgação».