I SÉRIE — NÚMERO 103
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Ora, como se limitou a utilização do contrato a prazo, teve de se encontrar uma forma para agradar aos
patrões e eis que o Governo inventou a generalização até seis meses do período experimental, que é tão-só a
selvajaria total, pois durante o período experimental o patrão pode fazer o que quiser, pode despedir o
trabalhador sem direito a indemnização e sem qualquer justificação.
Mas eis que o Governo diz que apresentou uma proposta de alteração à legislação laboral para proteger
direitos. Onde?! Só se estivermos a falar dos privilégios do patronato, porque a verdade é que o que aqui
estamos a discutir é tão-só uma revisão do Código do Trabalho para pior.
Nós ouvimos aqui o PSD dizer — e o CDS certamente dirá o mesmo — que não é tempo de alterar a
legislação laboral. Ora, se aqueles que a fizeram e que a pioraram a favor dos patrões aqui viessem dizer que
era preciso mudar a legislação laboral é que ficávamos surpreendidos!
Agora, o que é essencial perceber é que temos, hoje, na Assembleia da República uma correlação de forças
que permitiria repor princípios básicos na legislação laboral. De facto, o que temos aqui, hoje, em 2019, é a
oportunidade de, nomeadamente: revogar a caducidade da contratação coletiva; a aplicação das 35 horas de
trabalho semanal para o público e para o privado; a revogação dos bancos de horas; a limitação da utilização
do trabalho temporário; a limitação do outsourcing; e o combate à precariedade.
Mas eis que o PS decidiu, nesta matéria, fazer um acordo com os patrões e com a direita para não só manter
tudo o que é mau da lavra do PSD e do CDS como ainda ir mais longe no ataque aos direitos dos trabalhadores.
E, Srs. Deputados, se há matéria que separa as águas entre o capital e o trabalho é a legislação laboral.
Sobre isso sabemos bem que aquilo que cada um aqui assumir dirá, de forma clara, de que lado está: ou está
do lado do capital ou está do lado do trabalho. E a votação que tem acontecido em sede de especialidade tem
sido clarinha quanto a isto.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Termino, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado José Soeiro alertou para a possibilidade de inconstitucionalidade e nós dizemos o seguinte:
até à votação final deverá haver um rebate de consciências sobre esta matéria, exatamente para evitar essa
situação, e, da parte do PS, do PSD e do CDS, que se aprove a proposta do PCP, de revogação do alargamento
do período experimental, porque isso, sim, garante o cumprimento da Constituição e dos direitos que nela estão
consagrados.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José
Luís Ferreira, de Os Verdes.
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, queria, antes de mais,
saudá-lo pela oportunidade do assunto que nos trouxe à discussão.
Nós consideramos que estas alterações à legislação laboral, cozinhadas entre o PS e a direita, são más para
quem trabalha e padecem de, pelo menos, três pecados capitais: primeiro, fragilizam ainda mais a contratação
coletiva; segundo, prejudicam substancialmente a conciliação da vida profissional com a vida familiar,
nomeadamente através do banco de horas; terceiro, fomentam a precariedade que o Governo, curiosamente,
diz que quer combater, através do tema central da sua declaração política, ou seja, através da duplicação do
tempo do período experimental, que passa de 90 para 180 dias.
De facto, o período experimental é um período de absoluta precariedade, porque a entidade patronal pode,
a qualquer momento, sem ter de invocar qualquer fundamento, quaisquer motivos, e não sindicáveis, como o
Sr. Deputado muito bem disse da tribuna, despedir, sem qualquer indemnização e sem qualquer compensação
para o trabalhador.
Logo, se o Governo e a direita prolongam esse período estão, natural e automaticamente, a prolongar
também o período de precariedade, fomentando até a rotatividade do trabalho à experiência, como os patrões
tanto gostam. Aliás, não foi por acaso que os patrões e as entidades patronais aplaudiram estas medidas do
PS, do Governo e da direita.